quinta-feira, fevereiro 06, 2014

sempre vou ficar com a imagem do Eduardo Coutinho lendo seus jornais na extinta livraria Ponte de Tábuas, no Jardim Botânico. luz, mestre!


[foto: Gabriel Pardal]
das surpresas felizes:

meus livros de poemas "Vinis mofados" e "Poemas tirados de notícias de jornal" são objetos de pesquisa da dissertação de mestrado de Luciano Motta na Universidade Federal Fluminense (UFF): "Ressonâncias literárias e midiáticas na poesia de Ramon Mello". a defesa será dia 10 de março de 2014, às 14h.

FRAGMENTOS DE UM AUTO-RETRATO AOS 29 ANOS


Quando acordo, sempre penso que eu poderia ser outra pessoa. A época também poderia mudar, conforme meu humor. Ao escovar os dentes os pensamentos intrusos desaparecem, estou repleto deles, aceito cada apresentação cotidiana. Vontade obsessiva de criar outros eus. Observo minha morte todos os dias, em cada linha que se forma no esboço de um sorriso. Ou melhor, minhas mortes. Escrevo, cometo pequenos suicídios no decorrer da manhã, logo após o café. Normal. O fim faz parte / o que é vivo / por ser vivo / contrai, descontrai / e morre / ela me disse. Escrever poemas dói, insisto apesar de. Pessoas especiais morrem no dia do nascimento, não será o meu caso. Silêncio. Batizei um dos meus gatos de Silêncio para me lembrar disso. Passo a maior parte do dia calado, sem música – valorizo a quietude dos objetos, dos livros. À noite, para dormir ouço mantras, ou cantos indígenas. Tenho muitas manias, só me desfaço delas quando percebo que se tornaram obrigação. Mania não é obrigação, é mania mesmo. Anotar num caderno trecho de livros possíveis, a primeira frase de um romance inacabado: É perigoso quando o espírito inquieto passeia assim pelo espaço, fica sempre ligado aos sentidos por um laço secreto. Mania. Também gosto de comprar edições autografadas de escritores que admiro. Mania. Sou esquisito. Eu sei. Não sou fácil. Difícil é eu mesmo me aguentar. Tem dia que tenho vontade de sair do corpo, por isso medito diariamente. Um vazio sinistro. Fico quieto esperando o coração acalmar, nem sempre é possível. O que fazer com tanta inquietude? Por um coração que compreenda, repito. A meditação me trouxe a fé. Ou será o contrário? Tenho muita fé, na vida e na arte. Encarando a angústia, motivos humanos passam a ocupar meus vazios. Quem disse que seria fácil o retorno de Saturno? Além de dois gatos, tenho dois livros de poemas publicados e um livro de contos auto-rejeitado. Estou escrevendo o terceiro livro de versos: “a vida efêmera dos peixes de aquário”. Ah, quando mudar para uma casa maior, quero adotar outro gato, branco. Ou, quem sabe, uma lebre que mia. Seria interessante a lebre miando entre os livros, subindo na estante de poesia. Pretendo finalizar o primeiro romance aos 30 anos, promessa interior. E, antes disso, apresentar o infantil “a menina que queria ser árvore”. Sempre quis ser árvore, mas nunca quis ser menina. Gosto de ser homem, e amo homens autênticos. Interesso-me mais por pessoas solidárias do que inteligentes, observo. No mais, tenho preguiça de preconceito, e pessoas que falam em excesso. É sempre complicado falar de mim, fico perdido em labirintos, deixo os outros constrangidos. Prefiro falar sobre sonhos que surgem quando estou presente, agora por exemplo.


Ramon Nunes Mello
Rio de Janeiro, 04 de janeiro de 2014.

[Texto escrito para o "Projeto Autoretrato", de Renan Nazzos e Sandra Alvarez]

Di Couto - Ipanema, Rio de Janeiro

AMPLIANDO A CONSCIÊNCIA POLÍTICA

paz sem fronteiras_ramon mello_credito alissonsilverio

“Que tempos são esses em que é necessário defender o óbvio?”
Bertold Brecht
Felizmente a vida surpreende, estamos despertando de um sono profundo. A população – principalmente o estudante, vanguarda das transformações sociais – está nas ruas do Brasil clamando por mudança, a maioria de forma pacífica, ampliando a consciência política. E violência e vandalismo? Reflexo da desigualdade em que vivemos, não faz parte do grito de paz do povo que ecoa pelo país.
Neste novo tempo só acredito em revolução relacionada com a paz – a maior transformação que podemos realizar. Tente fazer algo, qualquer coisa que seja, sem paz. Impossível. Alguns indivíduos consideram anacrônica (ou até ingênua) a cultura da paz. Como se o movimento de pacificação estivesse dissociado da reflexão crítica. Talvez porque essa palavra esteja esgarçada pelo uso, como diz a poeta Viviane Mosé sobre a necessidade de ressignificação de algumas palavras e conceitos no livro ‘Receita para lavar palavra suja’. Sejamos paz, então, em nossas ações, diariamente.
Falo de um estado de harmonia, onde os opostos se equilibram. Quem está acostumado a meditar com freqüência ou praticar a espiritualidade (não falo de religião, é bem diferente) consegue vislumbrar esse estado com mais facilidade, aquietando a mente e o coração. Isso está muito além de sentar em posição de lótus. Não se trata de inércia, pelo contrário, movimento contínuo, ação em harmonia. É preciso disposição para pacificar-se, ainda mais num mundo em que a cultura da guerra e violência está em nosso cotidiano. Impossível? Não. É um desafio, possível e gratificante.
Sempre me considerei uma pessoa engajada, principalmente por aprender ainda menino lições de política com meu pai. Descobri cedo que o poder quando mal usado pode causar estragos. E quando fui estudante da Escola Estadual de Teatro Martins Penna e me tornei presidente do Grêmio Renato Vianna aprendi muito sobre democracia. No entanto, a palavra paz não se encontrava no meu dicionário. Ou, estava lá, e eu a ignorava. Hoje posso afirmar que faz muita diferença pensar e exercitar a política pelo prisma da paz.
“A Paz é barulhenta”, costuma afirmar Ana Vitória Monteiro, fundadora da Ong Paz Sem Fronteiras. De fato, é verdade, podemos constatar nas ruas, nas postagens das redes sociais, nas matérias de jornais e televisão. Os milhares de cidadãos que estão indo às ruas desejam um mundo em paz, com menos desigualdade social. Esse pedido de paz está presente nos diversos cartazes como “Fora Feliciano!”; “Pare Belo Monte!”; “ Fora Renan Calheiros!”; “Reforma política!”… Qual ser humano que não deseja paz para sua vida? Desconheço.
Participei de diversas passeatas em 2013. Levei para uma delas (na Presidente Vargas, Rio de Janeiro, no dia 17/06, que reuniu mais de 100 mil pessoas) um cartaz onde estava escrito: PAZ SEM FRONTEIRAS. Foi interessante observar a surpresa das pessoas, pediam para fotografar/filmar o cartaz. Paz é o que mais desejo nesse momento de transformação. Que tal começar essa mudança em nós mesmos? Praticar o que exigimos nos cartazes que levantamos nas ruas? Ética, cidadania, solidariedade, amor, respeito ao próximo, e paz.
No yoga esse almejado estado de paz chama-se ahimsa – uma espécie de fio dourado que conduz a prática, traçado pelo cultivo da não-violência e do respeito a si e aos outros. Que possamos recriar nossa realidade, ancorando a paz em nós para que então se instaure no mundo.
Ramon Nunes Mello
Rio de Janeiro, julho de 2013.

sábado, outubro 12, 2013

A MENINA QUE QUERIA SER ÁRVORE, meu primeiro infantil




com ilustrações de André Côrtez, em breve




POEMA ATRAVESSADO PELO MANIFESTO SAMPLER (performance, audio)



POEMA ATRAVESSADO PELO MANIFESTO SAMPLER from Ramones on Vimeo.

Poema atravessado pelo Manifesto Sampler
performance
Ramon Nunes Mello
poesia
Siri
música
Debora Engel
fotos






POEMA ATRAVESSADO PELO MANIFESTO SAMPLER

para Fred Coelho e Mauro Gaspar


I

invadir o corpo do mundo
aceitar
o
caos
atuar no esvaziamento das certezas

não copie e cole
se aproprie e recrie a realidade
use seu imaginário
carta de alforria para um primeiro
ato

nem todo início é um prólogo


II

acredite
você não é original
certo
apenas a pureza de um
mito

a pressão não
é
simples
pratique
sequestro saque captura
de palavras

não comunique aos pais
toda palavra é
órfã

não
existem palavras
finais
toda palavra
é
começo

pirata capitão buquineiro
promessa de geração
00
remix de ideias
souvenirs
alô wally
ah se você ainda estivesse por aqui

não escrever sobre
não descrever ou reproduzir
o mestre
produzir escrever produzir

eu
estou menino
em suas palavras
não chame meu nome em vão
salte a pedra
no caminho


III

seja atravessado pelos poetas que lê
aniquile as referências
um coletivo de enumerações

faça
literatura sem agradecer a raduan
ou adalgisa
faça
você seu retrato
enquanto jovem

encontre suas ideias
a partir de
apesar de
(lembra dela?)
apesar
de

invasor
ao combate
quais os limites
do texto?
autores originais
não mais

viva de uma forma política
crie assim
invada a cidade

invente
coloque tudo para dentro
para depois respirar
sentir e notar

você
eu estou colocando
pra dentro
o chocolate
de tanto olhar
ler


IV

propriedade coletiva
eu sou vocês
sou eu nos
reconhecemos nas palavras
lidas e não ditas e não lidas
também
percebe
posse-criação



os mentirosos
são dignos
do amor

deus
em latim é fingidor
da via
criação
escreva tudo
com essa mão nervosa
escreva escreva
as vozes que habitam
em ti

no papel
selvagem caótico
esse texto não é
seu nem meu
esse texto pertence
apenas

ataque
perigo ritmo
sem receio da autocrítica
se aproprie dos rótulos
para destruí-los

plagiador sabotador
coroe sua intimidade
perturbe
seus pares
não os deixem

presos

no século passado
o aprendizado
as vanguardas e a tradição
modos de usar
sua língua

esqueça os ismos
a divisão didática
atravesse
seja tático


V

cale
a boca de quem
não se posiciona
no espaço
torne seu o que é
do outro
provoque todas
as encenações institucionais
modo de fazer
aprender fazendo
seu trabalho
diário

manipule a história
alheia escreva a nossa

invente
seja autor inventor
o leitor
deve reconhecer seus passos
caminho percorrido
está
tudo no passado

o futuro se tropeça
com ele

a poesia se esfrega nas coisas
percebe?
ao acordar veja as coisas
como
as coisas todas

espalhadas livros jornais
mesquinhez de sua relação
amorosa

você pode abrir sulcos na escrita
fluxos
corpo é texto
é corpo

emancipe sua escrita
deixem falar mal
amanhã
estão todos lambendo seu rabo

discuta apenas sua
existência
na palavra

leia
escreva
como quem atravessa
o leitor
subverta

transforme o meio com a palavra
transtextual
células trans
transexual
exu contemporâneo se aloja no outro
passado tomando o presente
de cavalo


VI
ultrapasse
a si mesmo
não trapaceie é fatal

amadureça
a experiência
seja através
dos outros

a verdadeira história da literatura
uma história de ladrões

experiência
número infinito
o homem forte vive

lembre dos outros

entenda
as relações de força
você ouviu de um artista de plástico
vale tudo só não vale
qualquer
coisa

as coisas negras são
tão bonitas
menos o cavalo

beba
ice tea light
com limão e gelo
lipton com muita cafeína
no cafeína
não imite
escreva a partir
de

dobre a linha da folha
dobre-se
você sabe que o papel
só pode ser dobrado
sete vezes
hum
modo de
de experimentar
os espaços
nascemos com os mortos
sempre

o fim é o meio
novo desvio
novidade sem novidade
caminho literário cercado de música
ouça
não é preciso citar
não é

faça
teses para corrompê-las
o texto tem sentidos
não
sentido
fazer ao ler
a linguagem não indica sentido
mas possibilidades
as palavras
penetram em você
ou não

use todos os guardanapos
do café
com leite e biscoito de maisena
(compensando os 10% de mal atendimento)
ganhar força com as ideias

pense no tempo
em nosso tempo
tempo
tempo
tempo
tempo

silêncios
incorporados na escrita
esquecimento como aprendizado da escritura
invasão pela leitura

esse poema não tem
fim
é o meio




POEM TRAVERSED BY THE SAMPLER MANIFESTO

Ramon Mello
To Frederico Coelho and Mauro Gaspar
translation by Leonardo Villa-Forte with Sophie Lewis

I

to invade the body of the world
to accept
the
chaos
to act in the emptying of certainties
don’t copy and paste
appropriate yourself and recreate reality
use your imagination
 emancipation papers for a first
act
not every beginning is a prologue

II

believe
you are not original
right
just the purity of a
myth

pressure is
not
simple
exert
kidnap, looting, capture
of words

don’t tell the parents
every word is
an orphan

there are
no final
words
every word
is
beginning

pirate, captain, buccaneer
00’s
generation promise
ideas remix
souvenirs
hail waly
oh, if you were still around

not to write about
not to describe or reproduce
the master
produce write produce

I
am a boy
in your words
don’t call my name in vain
skip the stone
in the way



III

be changed by the poets you read
annihilate the references
a collection of  enumerations

make
literature without thanking raduan
or adalgisa
make
your own  portrait
as a young man

find your ideas
starting from
in spite of
(remember her?)
in spite
of

invader
to battle!
what are the limits
of the text?
original authors

live in a political way
create likewise
invade the city

invent
put everything inside
so that you can breathe
feel and notice

you
I am putting
inside
the chocolate
of so much looking
reading

no more

IV

collective property
I am you
is me we
recognize ourselves in the words
read and not said and not read
also
perceive
possession-creation

the
liars
are worthy
of love

god
in latin is pretender
of the creation
path
write everything
with this frantic hand
write write
the voices living
in you

in the paper
chaotic wild
this text is not
mine or yours
this text belongs
and that’s it

attack
danger rhythm
fearless of self-criticism
appropriate the labels
to destroy them

plagiarist saboteur
crown your intimacy
disturb
your peers
don’t let them

imprisoned

in the last century
the learning
the avant-gardes and the tradition
ways of using
your language

forget the isms
the didactic division
cross over
be tactical

V

shut
the mouth of whoever
doesn’t place himself
in space
make yours what is
someone else’s
provoke every
institutional simulation
way of making
to learn by doing
your diary
work

manipulate the history of
strangers write ours

invent
be author inventor
the reader
must recognize your steps
traversed path
it is
all in the past

future tumbles
over it

poetry rubs itself in things
see?
when you wake up,  see things
as
every thing

thrown around books newspapers
your love affair’s
avarice

you can furrow writing
flow
body is text
is body

emancipate your writing
let them bad-mouth you
tomorrow
they will all be kissing your ass

only debate your
existence
in the word

read
write
like one who traverses
the reader
subvert

transform the medium with the word
transtextual
trans cells
transsexual
a contemporary exu lodges in the other
past taking the present
for a horse-ride


VI

over-reach
yourself

ripen
the experience
be through
others

don’t cheat it’s fatal

literature’s true story
a story of thieves

experience
infinite number
the strong man lives
only
remember the others

understand
relations of power
you heard from an artist made of plastic
it’s all worthy but not worth
any
thing

black things are
so beautiful
except for the horse

drink
ice tea light
with lemon and ice
lipton with lots of caffeine
at cafeína
do not imitate
write starting
from

fold the sheet’s line
fold yourself
you know that paper
can only be folded
seven times
hm
way of

trying out
the spaces
we are born with the dead
always

the end is the means
a new detour
news without news
literary journey surrounded by music
listen
it doesn’t need to quote
it’s not

build
theses to corrupt them
the text has senses
not
sense
to make while reading
language doesn’t indicate sense
but possibilities
the words
penetrate you
or not

use every napkin
from the coffee
with milk and cornflour biscuit
(compensating the poor service’s 10%)
to gain strength with the ideas

think about time
about our time
time
time
time
time

silences
incorporated in writing
oblivion as learning the written?
invasion by reading

this poem has no
end
it is the medium