Cazuza: 20 anos após sua morte, obra do cantor vira referência
Bolívar Torres, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Exatamente duas décadas depois de sua morte (por complicações causadas pela Aids, no dia 7 de julho de 1990), Cazuza entra no time de figuras cultuadas pelas novas gerações de artistas brasileiros. Mas, pela habilidade com as palavras e a atitude rebelde e transgressora, o cantor e compositor carioca transcendeu definitivamente as esferas musicais, tornando-se uma influência decisiva também entre escritores. Assim como já acontecera com Jim Morrison, suas letras são elevadas ao status de poesia.
– Eu escuto Cazuza com o mesmo respeito com que leio Carlos Drummond de Andrade – explica o poeta Ramon Mello. – Acho que suas letras sobrevivem fora da música. Ouço suas canções como se fossem poesia.
Em seu último livro, Vinis mofados (2009), Mello dialoga abertamente com a música popular brasileira, compondo uma coletânea assombrada pelo universo pop. A presença de Cazuza aparece de forma direta em pelo menos dois poemas, 'Conjugado' e 'Overdose blues'. Para o poeta, a influência se exerce em sua geração tanto pela questão literária/musical quanto pela comportamental.
– Ele era um transgressor – argumenta. – E a sua atitude em relação à vida acaba inevitavelmente aparecendo no que ele escrevia e cantava.
Questão de atitude
A postura rebelde de Cazuza sensibiliza autores dessa geração, mesmo que eles não sejam diretamente influenciados pela estrutura do texto. É o caso do escritor e cantor carioca Bernardo Botkay, mais conhecido como Botika. Vocalista da banda Os Outros, é constantemente comparado a Cazuza por sua postura no palco – e até pela semelhança física. Mas no que diz respeito ao trabalho literário, tudo muda. Seu romance Autobiografia de Lucas Frizzo talvez só beba no universo de Cazuza pelo lado escrachado e contundente.
– Não param de me comparar a Cazuza, acho que por falta de opção – brinca Botika. – Há tão poucas pessoas autorais no rock que, quando aparece alguém, já chamam de Cazuza. Acho lindo, mas somos diferentes. O que me influenciou na escrita foi a falta de vergonha, uma certa atitude de se expressar. É essa coisa de colocar o pau na mesa.
“Também sou Cazuza”, escreveu o curitibano Luiz Felipe Leprevost em seu poema 'Balbúcio blues'. Assumidamente devedor da herança poética do cantor, o autor de Ode mundana é fascinado por sua figura desde moleque.
– Sempre me encantei pela sua postura transgressora, de bater de frente com a classe média, e sempre ouvi suas músicas como poesia – lembra Leprevost. – Ele foi o responsável por me fazer entender que letra de musica é, sim, poesia. Até porque era um dos poucos letristas brasileiros que faziam primeiro a letra para depois colocar a música. Se você escutar a letra de 'Todas as mães são felizes', vai ver que é puro Rimbaud.
O crítico, professor e poeta Ítalo Moriconi vê a presença de Cazuza hoje como um referencial em um caldeirão que junta indistintamente autores mais literatos e outros mais pops. O que já acontecia com as gerações anteriores, também influenciada por compositores populares. Na introdução de Caio Fernando Abreu: cartas, que organizou, o pesquisador afirma que Cazuza e Renato Russo seriam “almas irmãs de Caio em matéria de destino e expressão artística”.
– É tudo poesia, palavra cantada, falada e escrita – argumenta Moriconi. – Mas cada uma tem sua especifidade. Sempre que atravessam as fronteiras, há perdas e ganhos. Aqui no Brasil, contudo, desde a escola primária se tem a ideia de que as três configuram uma cultura poética de igual para igual.
[07.07.10]
[07.07.10]
Cazuza: 20 anos após sua morte, obra do cantor vira referência
>>> Ouça:
Interpretação de Cazuza para trecho do livro 'Água viva', de Clarice Lispector. Gravação raríssima de 1987 no Morro da Urca, Rio de janeiro. participação de Ângela Ro Ro
"E, por uma ironia do destino, o mentor de Cazuza, Ezequiel Neves, mentor do Barão Vermelho, morreu hoje, 7 de julho de 2010, exatos 20 anos depois de Cazuza." (Mauro Ferreira)
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