segunda-feira, junho 28, 2010

ME ROUBARAM UNS DIAS CONTADOS

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Editora Record e Livraria Museu da República convidam para o lançamento do livro

Me roubaram uns dias contados, de Rodrigo de Souza Leão

Dia: 02 de julho, sexta-feira, 19h

Debate com Franklin Alves Dassie, Leonardo Gandolfi e Suzana Vargas. Mediação: Ramon Mello

Livraria Museu da República
Rua do Catete, 153. Palácio do Catete
Rio de Janeiro/RJ - Tel: (21) 2556 5828

O Museu da República dispõe de estacionamento e fica em frente à Estação Catete do Metrô.

> João Paulo Cuenca comenta o livro Me roubaram uns dias contados, no Estúdio i da Globo News:








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Um surto de arte (morte e ressurreição de Rodrigo Souza Leão)

Um ano depois de sua trágica morte, o escritor e pintor esquizofrênico Rodrigo de Souza Leão renasce com novo romance, 35 telas e reedição do livro de estreia

Texto de Arnaldo Bloch

“Só vou morrer se eu ganhar o Nobel”, escreveu Rodrigo de Souza Leão, aos 43 anos, na superfície do último óleo sobre tela que pintou, em 2009. Depois de 20 anos sem sair de casa — exceto quando arranjava uma namorada (via telefone ou e-mail), e os pais o levavam às respectivas alcovas —, ele enfim cedera: começara a frequentar as aulas de João Magalhães no Parque Lage. A produção de telas aumentou até atingir 35, algumas de grandes dimensões. A produção literária também: um ano transcorrido do sucesso cult e da fortuna crítica de Todos os cachorros são azuis (7Letras) — livro que narra o surto em que se manifestou sua esquizofrenia, aos 23 anos —, estava prestes a concluir um romance novo, de fôlego, Me roubaram uns dias contados (a ser lançado no próximo dia 2, primeiro aniversário de sua morte, pela Record).

— O trabalho do Rodrigo mistura mundo interno e externo de maneira radical. É uma escrita feroz. O cara não brincava em serviço, não escrevia por charme ou pedantismo. Escrevia com imensa coragem, para resistir à loucura, e para existir — reflete o crítico José Castello, colunista do GLOBO.

Crítica literária e coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Beatriz Rezende faz coro:

— O motivo de Rodrigo ser publicado não é a esquizofrenia. Ele tem profunda consciência da dor de perder a razão. Nesse oscilar entre o fluxo descontrolado e a tentativa de controle se estabelece uma fricção, uma luta de linguagens que resulta poética.

Uma vez pronto o novo livro, Rodrigo parou de tomar os remédios e passou a escondê-los dentro do computador. Como a zombar das variadas pílulas que, na escrita, tratava como personagens, ao lado de Rimbaud, Proust, o cachorro azul e as mulheres de olhos azuis. Azuis como o fio que refazia o mundo de Arthur Bispo do Rosário. Azuis como certos temas poéticos de Stella do Patrocínio, e constante no trabalho de outros artistas esquizofrênicos no país de Nise da Silveira e do Museu do Inconsciente.

Em abstinência, Rodrigo, então, soube que a autora Glória Perez ia estrear uma novela com um personagem esquizofrênico. Fez chegar às mãos dela um exemplar de Todos os cachorros são azuis. Quando a novela foi ao ar, e Tarso (vivido por Bruno Gagliasso) fez, pela primeira vez, referência a um chip implantado em seu cérebro,

Rodrigo se inquietou. É que, 20 anos antes, em seu primeiro grande surto — descrito no livro a que Glória teve acesso —, Rodrigo acorda, olha-se no espelho e cisma que engoliu um grilo. Vai trabalhar assim mesmo. Formado jornalista, aos 23 anos era assessor da área de seguros da Caixa Econômica Federal.

Chegando ao escritório, no 26º piso da Torre Rio Sul, viu-se perseguido por um japonês com uma zarabatana. Desceu correndo os lances escuros das escadas tendo a seu encalço o índio japa que, enfim, o atinge com a seta que continha o chip.

Não adiantou dizer a ele que a impressão de ter um chip na cabeça é um clichê da esquizofrenia e, portanto, não configurava plágio. Furioso, escreveu uma carta aberta a Glória, publicada no “Jornal do Brasil”. Mas não chegaria a vê-la impressa: a cena na qual Tarso tenta matar o namorado da irmã causara-lhe tamanho impacto que Rodrigo passou a ter medo de matar seu irmão Bruno, companheiro de quarto, a quem pagava (de sua aposentadoria antecipada) para ciceroneá-lo ao Parque Lage ou protegê-lo dos delírios olfativos que o atormentavam: cheiro de morte, cheiro de merda, cheiro de cemitério, emanações, segundo ele, enviadas pelo vizinho do apartamento de cima, ex- colega da CEF, provavelmente mancomunado com o nipo-cacique.

Pediu para ser internado. O mais rápido possível. O pai, o médico Antônio Alberto, não queria. A mãe, Maria Sylvia, tampouco. A irmã, Maria Dulce, levou-o.

— Ele foi abraçado ao travesseiro preferido dele — recorda.

Uma semana depois, morreria, vítima de uma parada cardíaca. Os pais e os irmãos desistiram de fazer autópsia quando leram uma carta datada de um mês antes, que estava no seu computador:

“Papai, Mamãe, Bruno e Dulce. Vocês sabem muito bem que a minha vida não foi fácil. Sofreram muito. Sofremos juntos. Sofremos nós. Eu gostei da vida e valeu a pena. Muito obrigado por terem me ensinado tudo. Amo muito vocês todos. Tomara que exista eternidade. Nos meus livros. Na minha música. Nas minhas telas. Tomara que exista outra vida. Esta foi pequena pra mim. Está chegando a hora do programa terminar. Mickey Mouse vai partir. Logo nos veremos de novo. Nunca tenham pena de mim. Nunca deixem que tenham pena de mim. Lutei. Luto sempre. Desculpem-me o mau humor. É que tudo cansa. Kkkkkk...”

Apesar do alegado mau humor da carta de despedida de Rodrigo (que, paradoxalmente, se encerra com o “kkkkkkk”, popular onomatopeia contemporânea para o riso), é quase de alegria o clima na casa da família, entre Copacabana e Lagoa, às vésperas do lançamento de “Me roubaram uns dias contados” (na mesma data, “Todos os cachorros são azuis” será relançado). A impressão é de que o humor de Rodrigo e a comicidade involuntária que perpassa seu drama são compartilhados por todos como uma maneira de mantê-lo vivo. Para essa leveza permeada de comoção contribuiu, certamente, a noção de que o filho e irmão queria mesmo partir.

Ao poeta Ramon Mello, um de seus incentivadores, organizador de sua obra e em vias de montar uma peça baseada na mesma (parceria com o ator Flavio Souza), Rodrigo dizia que “se chegasse aos 50 anos já estaria bom demais”.

— Depois ele repetiu isso várias vezes. Eu protestava, e ele dizia para eu relaxar, porque, “depois que morre, todo mundo vira Ana Cristina Cesar”. Pior que tem um fundo triste de verdade nisso... só depois de morrer ele começou a chamar mais atenção da mídia e conseguiu uma editora de grande porte.

Percurso em zigue-zague

No sofá azul da sala, Babi, a cadela yorkshire de Rodrigo, parece postar-se ao lado de seu fantasma na entrevista da ultima quarta-feira com os pais, Antônio e Maria Sylvia, e os irmãos, Bruno e Dulce.

— Todos os dias, lá pelo crepúsculo, ela vai até a porta. Tinha se acostumado com a nova rotina do Parque Lage — descreve Maria Sylvia.

Levada ao corredor onde está afixada a maioria dos quadros de Rodrigo (que devem ser doados para a Casa de Rui Barbosa), Babi, em zigue-zague, observa as paredes em busca de um refúgio, transmitindo a ilusão de que aprecia as telas. Assim era o percurso de Rodrigo: inebriado, sinuoso, multipolar. Sua arma era a de muitos escritores “saudáveis”, se é que isso existe: a autoironia, a consciência dos limites, a busca por uma saída.

— Ele habitava um espaço difícil e ambíguo, onde aluci- nação e arte se superpõem. Se isso é complicado para escritores que se julgam “normais”, imagine para ele. A crítica que se ocupar de Rodrigo tem que tomar cuidado com a questão martirológio & arte — analisa o poeta e cronista Affonso Romano de Sant’Anna, com quem Rodrigo se correspondia com frequência.

A morte como prêmio

Ao contrário das demais internações, Rodrigo esteve indócil ao longo daqueles dias. Tentou estrangular uma enfermeira; foi para o quarto seguro, onde passou os dias aos gritos; sequer olhou para a mãe quando esta foi visitá-lo, ocupado em disputar com um enfermeiro a faixa de judô com a qual era atado à cama para não se ferir.

— Um paciente advogado organizou um abaixo-assinado para que ele fosse expulso. Advogado adora um abaixo- assinado — relata o pai, num dos vários rasgos de humor que deram o tom daquele fim de tarde na casa da família Leão. — Quando ele morreu, o sujeito voltou atrás e acusou o médico de tê-lo matado.

Se Rodrigo se suicidou, ou se provocou uma hipermedi- cação, ou até se foi morto, permanecerá um mistério. De certo mesmo (a valer a lógica daquela sentença galhofeira carimbada em sua última tela) só o fato de que Rodrigo conseguiu, em algum evento muito bem demarcado no universo paralelo de sua imaginação compulsiva, o seu Nobel, ainda que, nesta intrincada lexicografia, o prêmio seja a própria morte.

Trecho do livro Me roubaram uns dias contados

“Rodrigo é beato. Acredita em deuses. Cristo. Iemanjá. Apolo. Afrodite. Ateneia. Exu. Afrodite. Mickey Mouse. Chaves. (...) Tudo o que vem do humano é Deus. Uma geladeira. Uma máquina de lavar. Conheci deuses na infância. Garotos que morreram. Solidões inóspitas que só se davam comigo. Café com leite. A utopia é importante. Escrever uma página hoje já é uma utopia. O futuro manda lembranças. As lambanças que fiz. Que farei. Eu sofro. Sofro de um sopro de vida”

Escrever é falar sem ser interrompido

por Suzana Vargas

Leio emocionada Me roubaram os dias contados, último livro escrito por Rodrigo Souza Leão, um misto de romance, diário autobiográfico ou colagem de contos interdependentes em que um personagem escritor-narrador se aventura na floresta de sua psique, extraindo matéria-prima para sua ficção. Poderíamos dizer que pertence a uma certa linhagem da prosa brasileira contemporânea essa mistura de gêneros, se o texto de Rodrigo não levasse essas tendências ao limite de um desafio.

São 335 páginas de um quase tratado ficcional de uma não ficção no sentido mais literário do termo. Personagens, não personagens, episódios múltiplos aparecem e somem através do alter ego do autor, que reflete sobre sua criação e criaturas, sobre seu mundo interno e externo. O que vai surgindo aos poucos e fantasticamente é nosso mundo, tão pleno de ausência de sentido quanto real. TVs, canais especiais, telefones, sexofones, internet e os mais velozes meios de comunicação fazem parte desse cotidiano pleno de palavras sem que uma só — a essencial — seja pronunciada. Extremamente solitários, os personagens (e seu criador) estão imersos no desamor e nas receitas de felicidade alardeadas pela propaganda a que Weimar (o protagonista) e seus dez aparelhos de telefone têm acesso do fundo de seu confinamento.

Súmula de suas referências culturais, o autor — morto em 2009 — vale-se de sua conturbada biografia para esta recriação. O que deseja é gritar contra a falta de sentido dos limites que nos autoimpomos no campo existencial e literário. Deste ponto de vista, somem as fronteiras entre os gêneros, e conceitos como eternidade, sexo, amizade, amor caem por terra através de um rigoroso e desesperado autoexame.

O livro estrutura-se em quatro partes. Em todas, os personagens estão permeados pela mesma síndrome: o pavor de um contato mais profundo com eles mesmos. Essa relação se radicaliza no segundo capítulo, onde surge o próprio Rodrigo em feroz depoimento. Sem autocomplacência, não poupa nada nem ninguém. Impossível ficar de fora: com quantos medos se faz uma síndrome do pânico? É o que nos pergunta a certa altura. Segundo ele, ou Kafka, ou Weimar, ou quem quer que lhe tenha soprado essas palavras: "Vamos envelhecer e morrer. Isso já não basta. Quem quer viver para sempre é um idiota. O que nos faz melhores é o fato de não sermos mortais? O que é a imortalidade? A repetição. O eterno retorno. O circular filosófico. Não estamos de passagem. Estamos e só. O que quero conseguir quero em vida".

Acompanhado de interlocutores como Platão, Schopenhauer, Machado ou Proust, Rodrigo dialoga a partir de sua doença com nosso mundo doente e mágico onde "O segredo é não fazer exame para ter saúde". Livro implacável e belo que reflete a um só tempo a crise da narrativa humana afirmando a necessidade inadiável da poesia e da escrita. A escrita enquanto manifestação profunda de procriar e continuar. Como nos fala ainda seu autor: "Escrever é uma forma de falar sem ser interrompido".

Suzana Vargas é escritora.

sábado, junho 26, 2010

COPACABANA, DE MARCELO CAMELO



Copacabana

Composição: Marcelo Camelo

Sinto Copacabana por perto é o vento do mar
Será que a gente chega
Eu sinto que o meu coração tá com jeito de bem me quer mulher
Mesmo pra quem só carece de ver a viagem todo caminho que fazem
Todo destino padece aqui
Você precisa ver como fica no carnaval
O Bairro do Peixoto é um barato
E os velhinhos são bons de papo

Sinto Copacabana por perto é o vento do mar
Será que a gente chega
Eu sinto que o meu coração tá com jeito de bem me quer mulher
Mesmo quando eu levo a vida de um astronauta eu sei quanto tempo que falta
Olha que o Túnel está quase ali
Segura que a minha alegria não quer parar
O Shopping da Siqueira é um colosso
E as gordinhas um alvoroço

DIAS CONTADOS...

Para o trabalho de Rodrigo de Souza Leão vir à Luz

Por Valéria Martins (Shahid)

O número atual da revista Ficções se encerra com trechos do romance Me roubaram uns dias contados, de Rodrigo de Souza Leão, a sair pela Record em julho. A beleza e a tristeza andam juntos nos textos desse escritor, que sofria de esquizofrenia e morreu prematuramente ano passado. Shahid conversou com o responsável pela organização da obra do autor, o poeta e jornalista Ramon Mello. Ele também trabalha na adaptação de um dos livros de Rodrigo para o teatro.

Você está trabalhando na adaptação teatral do romance Todos os cachorros são azuis. Como será o espetáculo?

Ramon Mello – O projeto, adaptação do livro homônimo de Rodrigo de Souza Leão, foi contemplado por um edital de teatro, o que permitirá a montagem do espetáculo. Mas estou batalhando, junto aos produtores Elvira Rocha e Roberto Jerônimo, em outros editais para que possamos realizar a idéia em sua completude. A adaptação será realizada em processo com os atores: Bruna Renha, Thiago Mendonça, Natasha Corbelino e Camila Rhodi. A previsão é iniciarmos os ensaios no segundo semestre. Vou dirigir o espetáculo junto com Flavio Souza, meu parceiro nesta viagem.

Qual foi sua impressão do Rodrigo no primeiro encontro que tiveram?

Ramon Mello – Conheci Rodrigo através de seu trabalho, ao ler Todos os cachorros são azuis. Fiquei fascinado com a literatura de Rodrigo, com vontade de conhecê-lo pessoalmente. Então, marquei um encontro para entrevistá-lo para o Portal Literal. De imediato fiquei com receio, pois nunca tinha tido contato com um esquizofrênico. Ainda bem que enfrentei minha ignorância, Rodrigo foi uma das melhores pessoas que conheci na vida. Apesar dos delírios, ele tinha grande lucidez da vida, um olhar atento ao outro. A impressão era de estar diante de uma pessoa que não cabia em si, sofrido.

Você também ficou responsável pela organização da obra do autor. Como é esse trabalho?

Ramon Mello – A família Souza Leão, os pais de Rodrigo, me convidaram para organizar sua obra. Estou lendo os textos que ele deixou; alguns livros de prosa e outros de poesia. A editora Record publicará sua obra inédita, o primeiro livro a ser lançado será Me roubaram uns dias contados – o último romance de Rodrigo. Na organização deste trabalho recebi a colaboração importantíssima dos poetas Leonardo Gandolfi e Silvana Guimarães, amigos de Rodrigo. A idéia é lançar o livro no dia 2 de julho, data de seu falecimento.

Você lançou o livro de poemas Vinis Mofados (Língua Geral) – elogiado pela crítica - no fim de 2009. Quais são seus planos para um próximo livro?

Ramon Mello – Antes de publicar Vinis Mofados, eu escrevi um romance chamado All Star bom é All Star sujo. Quero voltar a esse livro para finalizá-lo, mas só pretendo fazer isso após da adaptação do livro de Rodrigo de Souza Leão. Literatura requer tempo, então uma coisa de cada vez. Agora é o momento do Rodrigo, sem dúvida. Enquanto isso, anoto meus poemas num bloco de notas, sem pressa.

Que escritores você tem lido?
Ramon Mello – Leio muito os autores contemporâneos devido ao meu trabalho como jornalista. Carola Saavedra é uma escritora que me desperta muito interesse, leio com prazer. E ando apaixonado pela Adalgisa Nery, uma poeta que está esquecida. A história de vida e a poesia de Adalgisa é fascinante — o livro A Imaginária é uma obra prima.

DIÁLOGOS


Entrevista com Ramon Mello

Por Diana de Hollanda

Diana de Hollanda - Vamos começar do começo; o Click(In)Versos foi o começo?
Ramon Mello - Escrevo minhas histórias desde os 12/13 anos, usando cadernos e mais cadernos, rabiscando. Quando tomei conhecimento da existência dos blogs, fiquei fascinado com a possibilidade de experimentação e divulgação da escrita. Os blogs têm 10 anos no Brasil, mas só criei um em 2004: Sorriso do Gato de Alice. Lá publico meus rascunhos; é um bloco de notas. Em 2006, quando trabalhei no portal Click21, resolvi criar um blog de entrevistas com escritores para me aproximar da produção contemporânea: o Blog Click(In)Versos. Fiquei tão interessado pela produção nos blogs que resolvi concluir meu curso de jornalismo com uma monografia sobre o tema: Blografias. Analisei – sob a orientação da professora Joelle Rouchou – a produção de alguns escritores e jornalistas, pontuando as frequentes mudanças na blogosfera. Através dos meus blogs, conheci o cineasta Murilo Salles – que me convidou para um debate sobre literatura e blogs, após uma sessão do filme Nome Próprio. Na plateia estava presente a crítica literária Heloisa Buarque de Hollanda, assim a conheci. Em seguida, Heloisa me convidou para integrar a equipe do Portal Literal, então passei a colaborar com alguns projetos. ENTER - Antologia Digital é resultado de um encontro.

D - Você co-organizou a antologia digital Enter; o que se buscava foi alcançado? O que se buscava? O que foi alcançado?
R - A ideia do ENTER é reunir autores que tem relação com a palavra na web, sejam eles poetas, músicos, escritores, atores, quadrinistas, cordelistas... Pesquisei mais de 300 nomes e apresentei à Heloisa Buarque, que me solicitou mais. Conversamos sobre cada um deles em reuniões infinitas, até que Heloisa deu a palavra final dos escolhidos. Buscávamos fazer um recorte: reunir os autores numsoftbook e levá-los a público sob o olhar de uma crítica. Foi alcançado? Sim. Há nomes representativos da produção contemporânea: Carol Bensimon, Fábio Lyra, Omar Salomão, Índigo... Mas, como em toda antologia, há sempre autores excelentes que ficam de fora.

D - Dessa parceria, entre você e Heloisa, nasceu o Escolhas? Como pensou a organização do livro?
R - Exatamente. Heloisa é muito generosa. Descobri, através do escritor Bernardo Carneiro Horta, que Heloisa tinha um texto biográfico, realizado para um trabalho acadêmico. Li o texto e fiquei impressionado com a quantidade atividades que ela exerceu (e ainda exerce). Pensei que o material merecia ser divulgado, então conversei com Eduardo Coelho, na época meu editor na Língua Geral. Juntos, pensamos que o livro poderia ser uma bela homenagem aos 70 anos de uma professora que se dedica profundamente a entender o mundo contemporâneo. Heloisa vive o tempo de hoje, com olhar à frente. A ideia foi registrar esse olhar; o livro foi dividido em duas partes: a primeira sobre sua atuação no passado, composta pelo texto do memorial acadêmico; e a segunda um texto atual escrito por ela, a partir de uma série de entrevistas que fiz durante mais dois meses. Conversamos muito para conceber o livro, Heloisa tem muitas histórias interessantes, mas tivemos que buscar temas recorrentes na pesquisa dela: antologias, cultura digital, periferia...

D - Os seus blogs são uma ferramenta importante para a divulgação profissional? Que retorno eles já te deram?
R - Não estaria respondendo a suas perguntas se não tivesse começado a escrever o Click(In)Versos e o Sorriso do Gato de Alice. Quando realizo algum trabalho na área de mídias digitais, lembro sempre dos meus blogs. Fui trabalhar no SaraivaConteúdo porque os editores conheciam a produção do Click(IN)Versos, por exemplo. Acredito que o reconhecimento de um trabalho está ligado diretamente com a relação de seriedade, que independe do veículo ou ferramenta. As pessoas ainda subestimam o poder dos blogs e sites, mas está na hora de perceber as mudanças. Tenho 26 anos, sou de uma geração que migrou do analógico para o digital. E a geração que só conhece o digital? Será que eles sabem o que é um vinil, uma vitrola? Talvez não. Mas eles entendem o poder da internet, por exemplo.

D - No SaraivaConteúdo você mantém um blog de Letras e escreve para o portal. Você tem liberdade de escolha sobre os temas?
R - Fui convidado por Marcio Debellian para fazer parte da equipe do SaraivaConteúdo quando o projeto ainda era apenas uma ideia embrionária, um desejo. O que me permitiu e permite pensar o conteúdo com mais liberdade, sem perder a visão do trabalho institucional. A proposta é produzir um conteúdo de qualidade, mapeando a produção de novos artistas e apontando tendências de mercado, utilizando as possibilidades de convergência de mídias que a internet oferece. Há liberdade de escolha, mas temos frequentes reuniões de pauta para pensar o caminho dessa produção. A reunião inclui todos: o conselho editorial, a equipe técnica e os jornalistas/blogueiros. As ideias são lançadas, discutidas e, então, executadas. O que é o trabalho do Mauro Ferreira? É um dos melhores críticos de música que conheço, ele assina o blog de Música. E também tem o Eduardo Simões, que assina o blog de Cinema. Há entrevistas antológicas com Sophie Calle, Caetano Veloso, Nélida Piñon, Ziraldo, Marcelo Taz, Marcus Vinicius Faustini, Hermeto Pascoal, Cristóvão Tezza, António Lobo Antunes, Milton Hattoum, Yoani Sanchez, Fausto Fawcett, Francisco Bosco... Sem dúvidas, o portal SaraivaConteúdo será uma referência, principalmente em literatura contemporânea.

D - Gosta da ideia de ser um entrevistador? Entre os atuais, cita algum que admire?
R - Me interessa o encontro, a troca com o entrevistado. Esse é o grande barato, mas só fui ter consciência desse pensamento quando entrevistei o Michel Melamed na comemoração de 1 ano do Click(In)versos. Entre as pessoas que promovem essa troca, Melamed é um exemplo. Poderia citar também alguns jornalistas de Cultura que admiro: Juliana Krapp, Luis Felipe Reis, Daniel Piza, Ubiratan Brasil e Geneton Moraes Neto. O encontro, a entrevista, é uma das partes do jornalismo. Imagina, me pagam para conversar sobre cultura. Não poderia ser melhor.

D - Você tem catalogado entrevistas com jovens escritores. O que pretende com esse arquivo? O que descobriu de mais marcante?
R - Conversei com mais de 80 escritores, a ideia é fazer uma seleção e publicar um livro de entrevistas, um recorte. Sabe o que descobri com esses encontros? Grande parte dos autores publica na web, mas ninguém abre mão do objeto físico, o livro. É a tal da relação afetiva, status e tudo mais. A maior descoberta que tive foi conhecer o poeta Rodrigo de Souza Leão, que faleceu em julho. Sem dúvidas, o escritor mais original, tanto na prosa como na poesia. A pedido da família, estou organizando a obra de Rodrigo de Souza Leão. No dia 2 de julho, data que marca um ano de falecimento do autor, será lançado o último romance escrito por Rodrigo: Me roubaram uns dias contados – título que marca a publicação dos livros pela editora Record. Para finalizar esse trabalho, recebi a colaboração dos poetas Leonardo Gandolfi e Silvana Guimarães, que acompanharam o processo de criação de Rodrigo.

D - De que maneira as incursões como entrevistador no mundo literário abriram caminhos para o pontapé na carreira de escritor?
R - Sempre que estou diante de um entrevistado pergunto: O que você diria para um jovem que deseja ser escritor? A maioria responde “leia!”. Não tenho dúvidas que essas entrevistas me fizeram um melhor leitor, logo minha escrita se modifica – espero que para melhor. Além dessa questão, esses encontros me permitiram entrar em contato com o mercado editorial. Me aproximei do editor do Vinis Mofados, Eduardo Coelho, por causa do Click(In)Versos, que ele acompanhava. Essa incursão acabou colaborando para o contato com o mercado editorial, mas esse não foi o objetivo.

D - Você ganhou um edital de teatro para montar Todos os cachorros são azuis, de Rodrigo Souza Leão. Soube que optou por não atuar, mas sim dirigir. Como encenador, o que busca ao transpor para o palco um livro como esse?
R - O projeto Todos os cachorros são azuis é amplo, abrange uma montagem teatral, um ciclo de debates e uma exposição. E só é possível realizar essa ideia graças ao empenho dos produtores Elvira Rocha e Roberto Jerônimo. Fomos contemplados num edital que permitirá realizar a montagem. Mas estamos tentando captar o restante para realizar o projeto completo. Rodrigo Souza Leão deixou mais de 30 telas belíssimas, que foram feitas a partir de aulas na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Sobre a peça, optei por ficar nos bastidores porque estou muito envolvido com a idealização e produção do projeto, não conseguiria me dedicar o necessário para o trabalho de ator. Flavio Sousa, que foi meu professor de interpretação na Escola de Teatro Martins Pena, vai assinar a direção comigo. Além do texto do livro, pretendemos utilizar elementos biográficos – poemas, cartas, fotografias e trechos de livros – como matéria-prima para construção dos personagens. Convidei Camila Rhodi, Thiago Mendonça, Bruna Renha e Natasha Corbelino para compor o elenco. São eles que nos ajudarão a levar a voz de Rodrigo para o palco. Todos os Cachorros são Azuis é um mergulho na condição humana, em especial, na maneira como indivíduos em sofrimento psíquico levam o dia a dia.

D - Sobre seu livro de poemas: em Vinis Mofados quanto há de Caio F. de Abreu?
R - Caio F. é uma grande referência que se encaixou no conceito do livro, em cada um dos poemas. O Vinis Mofados faz um diálogo com o Morangos de Caio, há uma ligação forte com a música popular brasileira. Mas não se trata de um releitura lírica do Morangos. De certa forma, acaba sendo uma homenagem ao mestre gaúcho. Vinis Mofados também é o nome de um dos poemas do livro, um dos primeiros que escrevi. Além disso, dá unidade ao livro, que está dividido em dois capítulos: Lado A e Lado B.

D - Fora o Caio, inúmeras outras referências são evocadas; como pensa a função delas no livro?
R - Foi o modo que encontrei de dialogar com a tradição: poetas, músicos, cineastas que pensam a linguagem de forma criativa. Trago essas referências de forma explícita no livro porque só crio a partir do outro, do que já foi feito. O outro é que me desperta, que me constrói. E, consequentemente, o livro.

D - O que muda do Lado A pro Lado B?
R - No Lado B estamos mais despidos, as palavras estão nuas. A intimidade está exposta na própria linguagem.

D - Há algum poema "preferido" dos leitores? E seu?
R - Em geral, comentam muito o poema “LADO B”: desculpa / mas essa música / não quero mais / ouvir // sua voz arranhada / já não convence / vira o lado do disco // aproveita e dorme . Gosto muito de “HAVAIANAS”: anunciei no jornal / perguntei pra todo mundo / mas ninguém tem notícias suas // enquanto isso as havaianas / continuam a descansar na área / de serviço atrás da porta entre o / rodo e o pano de chão // desde aquela noite só / ando descalço / é o meu protesto

D - Você tem um romance em processo. All Star bom é All Star sujo. Pode contar sobre ele?
R - O All Star bom é All Star sujo foi escrito antes do Vinis Mofados. Mas, depois de conversar com Eduardo Coelho, resolvi publicar primeiro o livro de poemas. Guardei o romance na gaveta, deixei descansá-lo para reescrevê-lo. Pretendo voltar a ele depois da montagem de Todos os Cachorros são Azuis, quando terei tempo suficiente para o mergulho. Conta a história de Otto, pretenso escritor, que vive trancado num conjugado no Bairro Peixoto. Ele faz uma autoanálise de sua vida para tentar transformar o sofrimento em palavras.

D - Há previsão de lançamento?
R - Quero trabalhar o romance sem pressa. Não tenho data marcada, mas pretendo finalizá-lo até o próximo ano.

D - Como se deu o processo de criação do conto "Sereníssima", no livro Como se não houvesse amanhã?
R - Fui um dos últimos autores a ser convidado para a antologia. Quando o Henrique Rodrigues me chamou faltava pouco tempo para entregar o livro à editora. Então, tentei lembrar uma música do Legião de que eu realmente gostasse. Fiz uma lista, "Sereníssima" ganhou. Pesquisei a história do Renato Russo, li a biografia feita por Dapieve e li diversas entrevistas para trazer elementos da vida do Renato para a narrativa. Por exemplo, a bebida alcoólica em copo de maionese, detalhes. Busquei escrever uma história de amor entre dois homens, que podem ser dois desconhecidos ou o Renato e o Scott - um namorado americano, problemático, do cantor.

D - E o seu método de criação, há método?
R - Não tenho um método específico. Estou aprendendo a criar disciplina, ter um tempo para a escrita e a leitura, sem perder a intuição. Escrevo prosa a partir de uma ideia e vou desenvolvendo, encontrando o tom do personagem, daí sigo direto para o computador. Releio, corto, reescrevo muito. Já os poemas, rabisco em cadernos, faço milhões de anotações. Um poema nunca está pronto.

D - Atualmente, você participa de uma revista ao vivo (De modo geral). O que mais envolve esse evento? E você, como se envolve com o evento?
R - O De Modo Geral é um projeto do escritor Paulo Scott, o "cabeça" do evento, que é um grande agregador de pessoas. A ideia é reunir profissionais de cultura que estão realizando trabalhos interessantes para uma conversa coletiva – uma revista ao vivo. Sou um dos integrantes da trupe, com Anna Dantes, Allan Sieber, Flu, João Paulo Cuenca e Rodrigo Penna. É, além de tudo, divertido.

D - Poeta, ator, diretor, jornalista, reticências. Pensa em investir prioritariamente em algum desses? O que é necessário para o investimento?
R - Me identifico com pessoas múltiplas. No entanto, gosto de pensar na dedicação a uma atividade. Pretendo priorizar o meu tempo para a palavra, especialmente para a literatura. Então, vou me alimentar da disciplina do ator e do jornalista. É necessário disciplina para escrever, para levar qualquer trabalho com seriedade.

quarta-feira, junho 23, 2010

terça-feira, junho 22, 2010

RETRATO DE ADALGISA, 30 ANOS DEPOIS

foto: acervo da família de Adalgisa Nery


Musa de várias faces
Adalgisa Nery, que morreu há 30 anos, equilibrou-se entre a poesia e a política

Por Ramon Mello

“Adalgisa e Adaljosa,/ Parti-me para vosso amor/ Que tem tantas direções/ E em nenhuma se define/ Mas em todas se resume./ Saberei multiplicar-me/ E em cada praia tereis/ Dois, três, quatro, sete corpos/ De Adalgisa, a lisa, fria/ E quente e áspera Adalgisa,/ Numerosa qual Amor.” Nestes versos do poema “Desdobramento de Adalgisa”, publicado em Brejo das almas (1934), Carlos Drummond de Andrade cantou as faces de Adalgisa Nery, poeta, jornalista e política, morta há 30 anos, em 7 de junho de 1980. Atuando em áreas tradicionalmente masculinas, Adalgisa colecionou amores e, também, alguns desafetos, mas conquistou reconhecimento e espaço na intelectualidade brasileira. No fim da vida, Adalgisa escolheu a solidão, recolhendo-se num asilo em Jacarepaguá.

Adalgisa Nery estreou na literatura após a morte do pintor modernista Ismael Nery (1900 - 1934), seu primeiro marido. Viúva, casou-se com o chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) da ditadura Vargas, Lourival Fontes, desempenhando um papel crucial nas relações entre o Estado Novo e os intelectuais. Em 1954, após o suicídio do presidente, já separada de Lourival, Adalgisa estreou no jornalismo, fazendo carreira no jornal de Samuel Wainer, Última hora, ao assinar a lendária coluna “Retrato sem retoque”, espaço em que abordava, diariamente, com tom nacionalista, assuntos de política e economia, atacando os desafetos políticos.

Tendo a elegância como marca, andando sempre com cabelos e unhas impecáveis, Adalgisa atuou no campo intelectual, transgredindo na prática o papel da mulher, desde os anos 1930. A poeta deixou um legado para as mulheres que hoje ocupam lugar de destaque, principalmente no campo jornalístico.

“Ela escrevia com muita personalidade e voz própria. O exercício do jornalismo diário com textos políticos foi o que elegeu a deputada Adalgisa Nery, uma mulher sedutora e, ao mesmo, tempo muito dura”, afirma a escritora e jornalista Ana Arruda Callado, autora da biografia Adalgisa Nery, muito amada e muito só (Perfis do Rio, 1999), o único livro sobre a trajetória da poeta, que está esgotado.

Em 1960, sua carreira jornalística a projetou na política. Cercada de inimizades, como o então governador Carlos Lacerda, e herdeira política de Getúlio Vargas, Adalgisa foi deputada, pelo PTB, ao longo de três mandados, até ser cassada em 1969 pelo regime militar – o que a motivou a abandonar tudo: família, amigos e literatura.

Contemporânea das escritoras Dinah Silveira de Queiroz e Eneida de Moraes, Adalgisa Nery foi uma mulher de personalidade forte, contraditória, que buscou inspiração em outras mulheres modernas, como a escritora feminista francesa George Sand – de quem traduziu, do inglês, a biografia. Ela também estabeleceu uma relação de amizade com Frida Kahlo, que lhe dedicou uma página de seu diário. A Casa de Rui Barbosa guarda cartas trocadas com o pintor Diego Rivera, marido de Frida, por quem Adalgisa foi retratada na época em que foi embaixatriz no México.

A poeta também foi musa de
Cândido Portinari, que ilustrou muitos de seus livros. Em depoimento para a biografia escrita por Ana Arruda, a viúva do pintor, Maria Portinari, relembrou o fascínio que Adalgisa causava nos homens: “Minha filha, que impressão ela causava nos homens! E no meu marido também.”

A mulher bonita e sedutora, muitas vezes excêntrica, com seus chapéus enormes, causava antipatia em alguns. É o que diz Raquel de Queiroz, ainda na biografia escrita por Ana Arruda Callado: “Ela não era simpática, nem educada. Mas era bonita. Muito bonita... Embora se achasse mais bonita do que era. Era pobre e ambiciosa [...] Eu não a considerava elegante; era extravagante nas roupas. [...] Ela queria ser a deusa: a deusa da poesia, a deusa da beleza..."

Autora de inúmeros livros de poesia, cujos títulos estão reunidos no volume
Mundos oscilantes (1962), Adalgisa também se traduziu na prosa. Todas as publicações foram bem recebidas pela crítica da época. No entanto, os títulos estão fora de catálogo e sem previsão para reedições. Com sorte, garimpando muito, encontra-se alguns exemplares em sebos. O esquecimento desagrada seus admiradores, como o poeta Armando Freitas Filho.

“Adalgisa era formidável, foi uma das nossas primeiras protagonistas intelectuais. Podemos dizer que ela antecedeu
Cecília Meireles, em termos de representação pública. A interpretação que faço é que ela ficou marcada por uma ambiguidade. Sua produção em prosa teve uma recepção crítica mais forte do que a poética. Além do romance A imaginária, lembro do livro de poemas Ar do deserto, publicado em 1943. Sua poesia me parecia que tinha um eco com a de Augusto Frederico Schmidt. É fundamental que seus livros voltem a circular para que os leitores conheçam sua produção intelectual”, diz Armando.

A reedição da obra da poeta também é defendida por Eduardo Coelho, Chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, que guarda grande parte do acervo de Adalgisa (como correspondência com Drummond, Veríssimo, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, entre outros documentos)

“A poesia dela é marcada por um tom grandiloquente, fervoroso. Seus versos tratam do cotidiano do homem comum e também da força do cosmo. Há um movimento paradoxal em sua poesia, intenso, que une o natural ao sobrenatural, a preocupação social ao erotismo. Trata-se de uma obra irregular, sem qualquer dúvida, mas com excelentes poemas. Uma obra que deve ser republicada e sofrer uma reavaliação crítica sobretudo em relação ao contexto da literatura brasileira daquele período, com Cecília Meireles, Jorge de Lima, Murilo Mendes e Vinicius de Moraes, que podem revelar alguma aproximação com a poética de Adalgisa Nery”, afirma Coelho.

No romance mais conhecido de Adalgisa, A imaginária, a personagem Berenice narra o drama psicológico em suas passagens de vida: a família pobre; o curso primário iniciado num colégio de freiras e concluído numa escola de Botafogo; os conflitos de infância e adolescência; o casamento sem consentimento da família; a convivência triste com a família do primeiro marido; e a morte do cônjuge, aos 33 anos, vítima de tuberculose.

“Até que ponto esta Berenice apaixonada e mais tarde aterrorizada, heroína do romance que foi o maior sucesso editorial da autora, é Adalgisa Nery?”, pergunta o jornalista Paulo Silveira, amigo de Adalgisa, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som gravado em 26 de julho de 1967, questão replicada em Adalgisa Nery, muito amada e muito só, onde se lê a resposta da própria escritora: “Ali tem muita coisa de minha biografia, tem muita coisa reforçada com minha imaginação.”

Mesmo com o passar dos anos, Adalgisa Nery, continua apaixonante, seduzindo pela biografia e pela imaginação, pela personalidade e pelas palavras.

Ramon Mello é jornalista e poeta, autor de Vinis mofados (Língua Geral, 2009).

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Publicado originalmente no Prosa & Verso, O Globo, em 19/06/10.

sexta-feira, junho 11, 2010

PRESENÇA DA MORTE

Adalgisa Nery


Nesse momento
Um estranho silêncio
Pousou sobre o mundo dos meus movimentos
E eu assisti uma rosa solitária desfolhar-se lentamente
Como um corpo desfalecido por amor.
Nesse momento
Um inebriante odor de terra chovida
Impregnou o ar que eu respirava
E eu senti meus pés se transformaram em raízes
Agarrando-me ao solo profundo.

[in As fronteiras da quarta dimensão, Adalgisa Nery - Rio de Janeiro, José Olympio, 1951]