domingo, julho 24, 2011

SOFRIMENTO, LUCIDEZ E DENÚNCIA EM FORMA DE RECITAL

Sem ação dramática, textos de Rodrigo de Souza Leão transformados em espetáculo transbordam emoção


Bárbara Heliodora [Segundo Caderno, O Globo – 24/07/2011]

Na arena do Teatro Maria Clara Machado, no Planetário, cinco atores apresentam em forma teatralizada trechos escolhidos do romance de Rodrigo de Souza Leão ‘Todos os cachorros são azuis’; todo o texto é comovente, porém ao público não é apresentado um drama (no sentido de uma obra dramática), mas, antes um recital. Essa palavra soa muito antiquada, mas realmente, todas as qualidades humanas e literárias que o texto demonstra, nenhuma é “dramática”, isto é, não apresenta uma ação que inicie com uma situação e termine em outra, diferente ou modificada.

O espetáculo é feito com muito amor. Os trechos foram selecionados pela força que têm de sofrimento, lucidez e denúncia, e um considerável esforço foi feito para dinamizar o que é mostrado ao público. Não é exatamente dramaturgia aquilo que fizeram Flávio Pardal, Michel Bercovitch e Ramon Mello, os responsáveis pela seleção dos trechos a serem ditos, mas não há dúvida de que esses foram muito bem selecionados.

Respeito ao texto

A encenação é austera; cenário e figurinos não têm atribuição específica, que só fica em uma direção de arte de Rui Cortez. Cinco segmentos de grade representam a prisão que é o manicômio, e os cinco componentes do elenco usam todos calça, camiseta e camisa aberta, uma boa opção para que todos sejam na verdade a mesma pessoa. As grades poderiam ser menos movimentadas, pois movimentação não quer dizer ação. E a verdade é que o movimento às vezes atrapalha o ator, que já enfrenta o desafio de emprestar vida às reflexões de Souza Leão – mas isso é responsabilidade do diretor. A direção de Michel Bercovitch certamente trabalhou muito com os atores na busca do tom adequado para cada depoimento, e o carinho e respeito de todos para com o que dizem pesa muito na força com que o texto é transmitido ao público.

O elenco é composto por Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello. Os rapazes, principalmente Gabriel Pardal, estão um tanto melhores do que as três moças, mas de modo geral é um conjunto harmonioso, cuja dedicação faz muito por esse depoimento dramatizado e comovedor sobre a tragédia da vida de Rodrigo de Souza Leão.

TODOS OS CACHORROS SÃO AZUIS , de Rodrigo de Souza Leão. Direção de Michel Bercovitch. Com Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello. Teatro Maria Clara Machado. Sábado às 21h. Domingo, 20h.

MERGULHO NA MENTE ESQUIZOFRÊNICA

A palavra literária e a cena dramática se encontram em “Todos Os Cachorros São Azuis”, espetáculo dirigido por Michel Bercovitch e baseado no livro homônimo de Rodrigo de Souza Leão, escritor que faleceu aos 43 anos em decorrência da esquizofrenia. Leia a crítica.

Andrea Carvalho Stark [Caderno Teatral , Site - 19/07/2011]

No palco, grades móveis dividem o espaço. Vemos cubículos por onde cinco pessoas em posição fetal, e vestidas com cores neutras, se esgueiram, movimentam, falam de si e do que estão vivendo ali. Estão dopados, mas estão conscientes, mais do que nunca. Representam um só personagem em momentos diversos. Tudo é contido e controlado, mas há arroubos que vão crescendo e se fragmentando, como uma pessoa que tenta direcionar suas próprias forças entre idas e vindas, fracassos e recomeços. Assim poderíamos resumir “Todos Os Cachorros São Azuis”, peça baseada no livro homônimo do poeta e romancista carioca Rodrigo de Souza Leão, falecido em 2009, aos 43 anos, em uma clínica psiquiátrica do Rio de Janeiro.

Resumir, no entanto, não significa despistar a experiência teatral que é apresentada nesse espetáculo a partir do referido livro, com o qual o autor concorreu como finalista, em 2009, ao Prêmio Portugal Telecom – uma das maiores láureas da Literatura lusófona. A obra é uma narrativa autobiográfica fragmentada, sobre impasses, vivências e soluções íntimas de um esquizofrênico em busca de saídas e de formas para sobreviver ao próprio caos. Um texto de extrema criatividade e sensível beleza que nos faz repensar a loucura como criação artística, especialmente naquela arte que tem a palavra como matéria-prima.

Literatura e loucura

Souza Leão viveu sua breve vida entre internações, leituras e literaturas e em sua obra, como a apresentada pelo espetáculo, onde encontramos claras citações aos poetas franceses Rimbaud e Baudelaire, ao português Fernando Pessoa e ao brasileiro Manuel Bandeira. Escrever para o autor era uma forma de se ater, como controle, ligação e completude de sua mente fragmentada por diversos estados provocados pela esquizofrenia. Seu texto reflete essa condição pessoal : é um autor que se escreveu e tentou domar à força os seus próprios leões. Não precisou se preocupar em criar ficções, pois sua própria vida já lhe era inacreditável o suficiente. Souza Leão é plateia e ator, é sujeito e objeto e levou todos esses estados para seus escritos, muitos ainda inéditos.

O poeta e ator Ramon Mello é o responsável pela publicação da obra do colega, e se empenha em divulgá-lo com muita generosidade e dedicação. É dele, também, a idealização desta montagem teatral à qual integra como intérprete.

Das páginas ao palco

O espetáculo não tem um texto escrito especialmente para o teatro ou para ser falado, mas há fortes traços de oralidade em tom de diário-desabafo. É certo que, encontrar o tom e a carpintaria dramática mais coerente foi um grande desafio para o elenco e toda equipe regida pelo diretor Michel Bercovitch.

Face a essa multiplicidade possível de caminhos que o texto literário aponta, o resultado é um espetáculo impactante que se utiliza com maestria dos vários recursos cênicos para contar o cotidiano das imagens e alucinações provocadas pelos seres que nascem dos fragmentos da realidade vivida pelo autor. Desse modo, a luz, o cenário, o movimento e a trilha sonora se relacionam para esse fim; compõem esse único personagem interpretado pelos cinco atores. São linguagens de um mesmo peso, específicos em uma função de delimitar e teatralizar o que foi escrito literariamente em tom confessional.

Sobre a dramaturgia coletiva – assinada pelo diretor, Ramon e Flávio Pardal (com colaboração de Manoela Sawitzki) – poderia haver alguns cortes um pouco maiores em função de se estabelecer um ritmo mais concentrado no final. Há alguns momentos em que pensamos chegar ao fim, mas depois outras situações nos são apresentadas, o que causa uma sensação dispersa quando há vários momentos que soam finalizadores, mas que não se concluem.

Todos são um azul

O elenco composto pelas atrizes Bruna Renha, Camila Rhodi, Natasha Corbelino e pelos atores Gabriel Pardal e Ramon Mello, demonstra homogeneidade nas atuações, mas mesmo assim, cada um tem a liberdade de criar propriamente uma interpretação que se juntam como em um coro harmonioso. Há certa uniformidade, pois cada um faz um mesmo personagem narrador, com poucos momentos em que o diálogo ou outros personagens se fazem presentes.

A direção de arte de Rui Cortez criou diversas grades móveis que são movimentadas em cena pelos próprios atores, criando diferentes espaços: é um muro que se sobre e se debruça, são as paredes de um cubículo de hospício, se expandem, fazendo o espaço e a própria personagem se expandirem nos momentos em que há o significado do espaço, do retorno e da liberdade presentes. Um efeito de movimento e marcações bem interessantes. A luz de Tomás Ribas e a trilha-sonora de Rafael Rocha dialogam com o personagem, como um eco de seu pensamento nos momentos de dor de liberdade, de retração e expansão.

TODOS OS CACHORROS SÃO AZUIS , de Rodrigo de Souza Leão. Direção de Michel Bercovitch. Com Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello. Teatro Maria Clara Machado. Sábado às 21h. Domingo, 20h.

A LUCIDEZ DA LOUCURA

Lionel Fischer [Blog Lionel Fischer – 18/07/2011]

Rodrigo Souza Leão era jornalista, escritor e poeta. Era também esquizofrênico, tendo falecido ainda muito jovem, em 2009, aos 43 anos. E o presente espetáculo é uma adaptação teatral de seu romance homônimo, de cunho autobiográfico, no qual o autor relata parte de sua trajetória, incluindo internações em instituições psiquiátricas e a fundação de uma nova religião.

Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), "Todos os cachorros são azuis" chega à cena com direção de Michel Bercovitch, dramaturgia de Flávio Pardal, Michel Bercovitch e Ramon Mello (com colaboração de Manoela Sawitzki) e elenco formado por Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello.

Um dos aspectos mais interessantes do presente espetáculo reside no fato de que o autor era esquizofrênico. Ou seja: escreveu de "dentro para fora" e não o inverso, como fez Nicolai Gógol em "O diário de um louco". Não padecendo da dita patologia, o escritor russo podia olhá-la à distância, refletir sobre ela com, digamos, uma certa tranquilidade. E por ser um dramaturgo maravilhoso, foi capaz de produzir uma obra comovente e dilacerante sobre alguém que, pouco a pouco, vai perdendo o contato com a realidade e mergulhando em um universo impregnado de delírios.

No entanto, aqui se dá algo muito diverso. Rodrigo falou de si mesmo, era seu próprio delírio, mas mesmo assim jamais deixa de exibir espantosa lucidez quando aborda temas como internações, medicamentos, amor, família, sexo e solidão, dentre outros. E se seu discurso não obedece, como não poderia obedecer, à lógica a que estamos acostumados, nem por isso seus fragmentados pensamentos deixam de nos atingir de forma dolorosa e comovente, e às vezes não isentas de surpreendente humor.

Trata-se, sem a menor dúvida, de um texto transbordante de humanidade, cuja ótima adaptação teatral possibilitou um espetáculo de forte impacto. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com a escrita que lhe deu origem, Michel Bercovitch consegue materializar, através de marcas expressivas e criativas, os principais conteúdos propostos pelo autor, que certamente haveria de aprovar a transposição cênica de seu romance.

Com relação ao elenco, que, em quase toda a montagem, interpreta o autor, todos se entregam de forma visceral à nada fácil tarefa de dar vida a um esquizofrênico, sem apelar para abomináveis chavões, tais como olhares esgazeados, atitudes corporais desconexas, gritos lancinantes etc. Ou seja: encontraram uma chave interpretativa isenta de exageros e que por isso nos atinge com tanta contundência. Fazer um louco não me parece muito difícil. Já viver um louco...

Na equipe técnica, Rui Cortez responde por excelente direção de arte - imagino que levem sua assinatura tanto os adequados e neutros figurinos como a cenografia, composta de grades móveis que, dependendo do momento, possuem duas funções indissociáveis: a criação de múltiplas ambientações em sintonia com os pensamentos do autor.

Cabe também destacar a direção de movimento de Paula Maracajá, a preparação vocal de Marly Brito, as expressivas contribuições de Tomas Ribas (iluminação) e Rafael Rocha (direção musical), e a belíssima programação visual criada por Filipe Carvalho.

TODOS OS CACHORROS SÃO AZUIS - Texto de Rodrigo de Souza Leão. Direção de Michel Bercovitch. Com Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello. Teatro Maria Clara Machado. Sábado às 21h. Domingo, 20h.

sexta-feira, julho 22, 2011

TONO + NEY = TESÃO E INTENSIDADE

Ramon Mello

Ouvi um som psicodélico que primeiro chamou minha atenção pela mistura de uma voz feminina (cuja leveza e doçura, às vezes, pode remeter a Nara Leão ou Marisa Monte) com batuques, frevos, bossas, boleros e rocks sintetizados. Fiquei encantado com a sonoridade original do quinteto carioca chamado Tono: Ana Claudia Lomelino (voz e metalofone), Rafael Rocha (bateria e voz), Bem Gil (guitarra), Bruno di Lullo (baixo) e Leandro Floresta (flauta, teclados e sintetizadores). Isso foi em dezembro de 2008, se não me engano.

O primeiro show a que assisti foi no teatro Odisséia, tempo depois da minha alegria com a descoberta do CD. Ana Claudia Lomelino, no palco, me causou estranhamento. Uma mulher pequena, emoldurada em expressões corporais miúdas e figurino espalhafatoso, que entoa uma voz límpida. Uma boneca desarrumada de voz poderosa, pensei. Ela é cool, alguém disse na plateia. Não. Ela é a flor de delicadeza de um coletivo de meninos charmosos e musicais, uma grande cantora cuja sofisticação não se limita a uma palavra.

A identidade musical e estética do grupo passeia não só pelas influencias musicais, mas também por outras linguagens como o teatro, as artes plásticas, a fotografia e o cinema. As letras autorais tematizam o prazer, o amor, a alegria, tudo com um humor de quem ri de si próprio. A maior parte dos integrantes tem composições nos álbuns; escolhi os meus clássicos: “Me sara” (Rafael Rocha e Bernardo Palmeira), “Corte no pé” (parceria de Bem Gil e Barbara Ohana); “Ele me lê” (Ana Claudia Lomelino, feita a partir da troca de e-mails com Caetano Veloso), “Não consigo” (Rafael Rocha), "Quando Você Dança" (Rafael Rocha),"Misturo cores" (Rafael Rocha, Leandro Floresta, Silvia Machete) e “Sonhador Sonâmbulo” (Rafael Rocha) – o verso “invisto nas ações do prazer” traduz da melhor forma o jovem grupo.

Por que estou escrevendo esse texto? Ontem, dia 21 de julho de 2011, assisti ao show da ‘Tono + Ney’ minha admiração extrapolou os limites, precisei compartilhar a sensação. No Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro, Ney Matogrosso (vestido com uma jaqueta prateada) participou cantando canções do grupo: “Não consigo” (que será gravada por ele em novo álbum) e “Sonhador Sonâmbulo”. Além de “Assim Assado” (João Ricardo e Paulinho Mendonça), sucesso do Secos e Molhados, cantado por todos.

Ana Cláudia Lomelino e seus comparsas foram abençoados pelo maior intérprete da música brasileira. A transgressão de Ney se espalhou no palco e abraçou a delicadeza de Lomelino. Podia-se imaginar o frio na barriga da cantora, no canto do palco, diante do ídolo que se aproximava juntando as vozes em falsete. E, ainda, a voz de Bem e Rafael chegando aos dois, com a platéia em êxtase. Toda esta aura que pairou pelo Sérgio Porto era sentida em sorrisos e suspiros, abraços comovidos e uma vontade de prolongar aquele momento.

Emocionante testemunhar Ney Matogrosso, em plena forma prestes a fazer 70 anos, envolto de jovens que deliravam a cada interpretação. Em meio aos rebolados e agudos pude entender que Ney grava músicas de novos compositores por necessidade, e não por generosidade. É com tesão que ele sobe no palco e eterniza canções de novos compositores em sua voz.

Tono é sinônimo de intensidade. Pode ser ária, música alegre ou disposição, atitude. Faz sentido. A banda mais bonita da cidade, desculpe, é a Tono.


quarta-feira, julho 20, 2011

GAROTO PROPAGANDA

foto: ramon mello

silêncio, garoto propaganda do 'liberdade até agora'

DIREITOS HUMANOS

"Se um pai abraçado com o filho é agredido por acharem que os dois são gays, imaginem o que fariam se fôssemos gays. Nós estaríamos mortos.", João Garrido, 42 anos, violentamente agredido por ser confundido com homossexual ao abraçar o filho numa feira de exposição em São João da Boa Vista, interior de São Paulo.

terça-feira, julho 19, 2011

LIBERDADE RJ














dia 22 de julho, 19h30, na travessa de ipanema, rio de janeiro

coquetel de lançamento com a presença dos autores alessandra colasanti, carola saavedra, joão paulo cuenca, manoela sawitzki, tatiana salem levy e eu ramones. além dos organizadores eduardo coelho e marcio debellian, e da ilustradora joana coccarelli.


segunda-feira, julho 11, 2011

LIBERDADE SP

são paulo: coquetel e noite de autógrafos com a presença dos autores tom zé, bruna beber, luiz ruffato e eu ramones. além dos organizadores eduardo coelho e marcio debellian, e da ilustradora joana coccarelli. dia 14 de julho, 19h30, saraiva de higianópolis




Saraiva MegaStore Shopping Pátio Higienópolis, São Paulo - Crédito: Cleber de Paula

RODRIGO DE SOUZA LEÃO

sábado, julho 09, 2011

TEXTOS DO PROGRAMA DA PEÇA

Quinta-feira, 15 horas

Alô, Rodrigo? Finalmente Todos os cachorros são azuis será encenado no teatro, conforme prometi. Fomos contemplados no edital de artes cênicas do Oi Futuro, a estreia está marcada para o dia 9 de julho no Teatro Maria Clara Machado, na Gávea. Acugelê Banzai!

Nesses três anos a ideia do projeto se modificou bastante, felizmente. Nada de monólogo. O diretor? Michel Bercovitch. Já te falei dele, lembra? Vocês seriam bons amigos, não tenho dúvida. Quem são os atores? Para representar você, não menos que cinco! Bruna Renha, Camila Rodhi, Gabriel Pardal (ele vai ser papai), Natasha Corbelino e eu, Ramones. Além do próprio romance, utilizamos poemas, cartas, fotografias, gravações e vídeos do seu acervo como matéria-prima da criação. Pois é, eu ia fazer somente a dramaturgia, mas seu texto renovou minha paixão pelo teatro. Faço questão de contar essa história no palco.

Divido a adaptação do texto com o Michel e Flávio Pardal, assistente de direção. “Por que todos esses bichos sou eu!” E contamos com a colaboração luxuosa de Manoela Sawitzki durante o passeio em suas palavras. Além disso, Elvira Rocha, Marly Brito, Paula Maracajá, Rafael Rocha, Rui Cortez e Tomas Ribas ajudaram carinhosamente a desenhar o espetáculo. Rimbaud e Baudelaire estão íntimos do grupo, participam de todas as nossas conversas.

Agora, liberdade também tem outro sentido: “Mas liberdade mesmo não existe. Estou sempre esbarrando em alguém para ser livre. Se houvesse liberdade o mundo seria uma loucura com todo mundo.” Ler, reler, encenar seu texto me fez ter outra percepção da realidade. Uma experiência difícil, mas enriquecedora. Desejo que a montagem teatral do seu livro possa contribuir para a discussão sobre saúde mental no Brasil. Acugelê Banzai!

Meu amigo, você sabe mais do que ninguém, o debate sobre a loucura é científico, social, político e cultural. Você é prova de que, para além dos remédios, a arte é a salvação. Artista, escritor, poeta, ainda que louco. Humano demasiado humano. K d pocua besourfez biologic Todog.Todog morten Todog livus.

Todog, irmão.

Rio de Janeiro, 07 de julho de 2011.

Ramon Mello

Uma experiência

Todos os cachorros são azuis é um incômodo insolúvel. Incomoda como literatura. Sua construção literária não cabe nem no que se chamaria de "convencional", nem no que se diria "transgressor". É uma obra que se faz pelo todo, mas que também se faz pelas partes [como se cada parte também compusesse um todo]. A história se conduz sem obedecer à dicotomia previsível, porque, já da primeira página, espera-se que tudo possa acontecer. Mas até no inesperado, há deslocamento, há desestabilização.

Não se pode, contudo, negar que produza uma experiência estética: é de longe UMA EXPERIÊNCIA, é daquelas que se destacam no fluxo comum da vida. Incomoda como temporalidade. Passado, presente e futuro não existem. O que foi é, e o que é talvez não tenha sido, e o futuro já foi. É uma narrativa autobiográfica com ares de diário, de ficção científica, de fábula. "(...) mas não consegui sobreviver."

A narrativa fragmenta o tempo sem compartimentá-lo numa cronologia. Fragmenta o humano sem dividi-lo em caixinhas. Incomoda como loucura. Remarca o desconhecido como usual, e torna o usual desconhecido. Transporta a um lugar que não se controla, que não se conhece, sobre o qual não se pode falar como especialista, com aquele que detém em si todo o saber sobre este lugar. Não parece um mundo errado, anormal: não se trata de uma lógica que é infringida. Parece seguir uma lógica, uma estabilidade interna que me é desconhecida.

É um incômodo indefinível.

Jéssica da Silva David
Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro


Quebra cabeça

A primeira palavra que me vem à cabeça quando tenho que falar de Rodrigo Souza Leão é lucidez. E com a sua lente de aumento voltada para o espelho ele nos presenteia a todos com seus escritos. Entre eles Todos os cachorros são azuis. É o nome do livro. É o nome da peça. “Tudo que é perigoso tem nome.” Ele diz.

Esquizofrenia era o seu diagnóstico. Mas Rodrigo não era louco. Era doente mental. E isso é muito diferente. Rodrigo era um poeta. Um escritor. Chamá-lo de louco é dar a ele um nome perigoso. É dar a ele e a tantos outros um destino prematuro.

Através da sua experiência acredito que podemos chegar perto de sua sanidade. E contribuir assim para uma discussão mais ampla a respeito da situação da população que sofre com esse destino. Clínica, hospício, manicômio, reclusão, prisão? Reféns de um pesadelo eterno. A peça busca alinhar os fatos do seu relato quando esteve internado depois de uma crise.

Rodrigo faz um autodiagnóstico de seu estado e um depoimento contundente sobre o estado das coisas quando fala em doença mental, tratamento, internação, drogas, medicação, família, sexo, solidão e amor. Ele cria um caleidoscópio de memórias, opiniões, citações, imagens, alucinações. Ouçam a memória de Rodrigo. Ouçam Rodrigo ouvindo Rimbaud e às vezes Baudelaire. Um quebra cabeça. Possível.

Uma fábula? Um relato? Um pedido de socorro? Um poema para cinco atores? Memórias de um cárcere? Uma biópsia? Uma viagem da memória? Eu prefiro não dar nome. Porque onde estou todos os cachorros não são azuis.

“O mundo é esquizofrênico”. O que quer nos dizer Rodrigo? Que o mundo é doente mental? A arte e a loucura sempre tão próximas, a arte e a mente. Rodrigo encontrou toda sua lucidez a respeito da própria doença através do seu contato com poesia, música, literatura, artes plásticas... Arte. Será que o mundo precisa de mais arte para então encontrar sua cura? Acho que a resposta de Rodrigo é sim. E eu também acredito nisso. Por isso aceitamos o desafio de transpor para o palcoTodos os cachorros são azuis e acreditar que isso é importante. “Quero ser promovido à alucinação de alguém”, implora Rodrigo.

Melhor: você foi promovido à admiração de alguém.

Nos últimos cinco meses tenho ouvido sua voz. Nos próximos meses muitos também vão ouvir.

Já somos muitos Souza Leão. Já somos muitos Todog.

Michel Bercovitch


LIBERDADE




liberdade é mergulhar pelado na piscina do parque lage. liberdade até agora.

quarta-feira, julho 06, 2011

OS TODOGS

fotos: Tomás Rangel



elenco: Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello


direção: Michel Bercovitch
assistência de direção: Flávio Pardal

terça-feira, julho 05, 2011

OBRA FORA DA JAULA







entrevista - portal cultura.rj, por Juliana Krapp: http://migre.me/5cK9n