sexta-feira, outubro 03, 2008

SANTA SATISFAÇÃO



Na Santa Clara, leio o jornal, aguardo meu café e reparo em você: óculos pretos com armação grossa e uma cara de sapatão francesa. Gosto disso. Fantasio: leciona francês. Será? Não, tem as pernas bonitas demais para essa função. Pernas que horas depois vou lamber e apertar enquanto seu gato me olha com desejo. Borges, ele se chama. Não imaginei o nome, mas gostei ao saber. Quando descobri que já havíamos nos esbarrado em Copacabana, perto do Metrô da Siqueira Campos, levei um susto. Então foi você quem me encarou no domingo, na saída da agência bancária. Engraçado. Aqui estou, enroscado nos seus pelos, como se eu fosse muito íntimo. Não me importo. Você apenas me disse que estuda medicina. Não posso esquecer, também fez faculdade de música. Piano. Pena ter abandonado, tem dedos lindos. Negou meu pedido, não tocou nada pra mim. Mas colocou um gringo no Ipod. Uma intimidade tão estranha que fico envergonhado. Não fazia idéia que nos conhecíamos de vista, lembrei apenas dos seus sapatos. Sim. Temos em comum a coleção de romances fracassados. Escrevi um poema com essa expressão: romances fracassados. Mas só digo se você tocar. Não? Tudo bem, não vou insistir. Nunca aprendi nenhum instrumento. Besteira. Ganhei um violino quando era adolescente, mas desisti pela dificuldade. Sempre desisto das coisas no primeiro obstáculo, foi assim com o balé. Calma. Estou mudando, acho. Então, troquei meu violino por CD’s. Com licença, vou ser clichê e acender um cigarro depois da trepada. Posso? Obrigado. Não ri. Prometo que é só um. Vou embora, preciso escrever. Gosto de trabalhar de madrugada, movido a café. Jornalista. Levanto cedo todos os dias, só um pouco mal-humorado. Borges. Adorei seu gato. Um dia vou adotar um filhote, é uma promessa antiga. No meu conjugado não cabe mais ninguém. Sim, moro sozinho. Verdade. Pode me dar um copo d'água? Mais um pouquinho, tô com sede. Tem papel higiênico no banheiro? Preciso me limpar, meu umbigo está uma poça de porra. Qual a sua especialidade? Tá me ouvindo? Doenças do sistema imunológico. Que horas? Melhor eu ir embora. Anota meu telefone: oito-quatro-três-dois-cinco-nove-um-dois. Pronto. Salva na agenda e liga qualquer dia. Ainda lembra o meu nome? Tenho a memória péssima, deve ser a maconha. Me leva até o elevador? Tchau, Borges. Boa noite.

Um comentário:

João Daher disse...

Louco...

E daí se é um conto? O que importa é ter coisas prá contar...