domingo, junho 14, 2009

SOBRE AFETOS

Frio e chuva fina, véspera do Dia dos Namorados. Uma ótima noite para ficar debaixo do cobertor, assistindo filmes, comendo chocolate e transando até cansar. Eu? Sozinho. Depois da fase de carência ficar só torna-se uma opção, momentânea. Sem problemas, acredite. Morando na Tijuca, há uns oito meses, ainda posso contar nos dedos as minhas saídas noturnas no bairro.

A solidão me expulsa do quarto, ligo para dois ou três amigos, todos compromissados, amando. Decido ir ao restaurante OTTO – na esquina da Uruguai com a Conde de Bonfim – um lugar charmoso que serve petiscos alemãs e um bom vinho. Fico apenas com uma garrafa de vinho chileno. O restaurante está lotado, eu e uma mulher loura somos os únicos solteiros, ou melhor, desacompanhados. Casais acariciam o rosto um do outro, beijam com tesão.

Na extremidade oposta a minha mesa, entre um casal de gordinhos apaixonados, há um casal gay, dois jovens de aproximadamente vinte e tantos anos. Eles se comportam exatamente com os outros casais, demonstrando afeto, sem pudor – como se deve fazer. Fico admirado com a coragem e atitude dos meninos num bairro extremamente conservador, habitado pela tradicional família hipócrita tijucana.

No mundo real, nas mesas em volta, os casais se sentem constrangidos, se cutucam, falam baixinho, apontam, escondem risinhos (não se sabe se de ironia ou nervosismo). Os funcionários da casa, preocupados com a moral e os bons costumes, começam a se articular para acabar com alegria dos meninos. Uma garçonete se planta do lado da mesa, como quem diz: “Pára com a sem vergonhice! Respeitem os nossos clientes”. Não adianta. Os jovenzinhos apaixonados não têm olhos para mais nada.

Um garçom fala com outro, que aponta, balança a cabeça em reprovação e comenta baixinho, esperando minha cumplicidade: “Hoje o dia está fresco mesmo, né?”, depois se afasta sem graça. O maitre se aproxima, serve meu vinho e diz: “Absurdo, não?” Não acho, respondo. Ele se cala e sai. Rapidamente, chegam outros funcionários, que olham os meninos se beijando com se estivessem num zoológico admirando uma girafa. Eles se reúnem na frente do restaurante e começam a cochichar alto, a espera da ‘aprovação’ de um dos clientes – suponho.

“Vocês estão incomodados com o casal gay?”, pergunto ao coletivo. Um dos funcionários, penso que seja o gerente, diz (balançando seu rabo de cavalo louro): “É que aqui não é o lugar mais apropriado para essas coisas. Entende?”. Um casal ao meu lado também reage: “Preconceito?” O grupinho de funcionários se desfaz resmungando algo que não entendo - provavelmente xingamentos.

Entre o exercício do direito individual e o respeito ao direito da coletividade daqueles que se sentem desconfortáveis com a alegria alheia, fico com o exercício da individualidade. Afeto é a expressão do sentimento – o óbvio, às vezes, precisa ser relembrado.

3 comentários:

H disse...

Podia ter ligado para mim. Eu estava na mesma situação, mas fui ao Mangue Seco bebemorar o aniversário de um amigo.

Paco Steinberg disse...

é incrível como o simples fato de existir incomoda os outros, invariavelmente.

tem mta gente que me preferia morta, tenho certeza.

aí nos dias que tudo parece chato, lembro que incomodo, e fica legal.

Lex Mendes disse...

"O problema do preconceituoso é a convicção"

Rubem Fonseca