terça-feira, março 30, 2010

AS PALAVRAS QUE NUNCA SÃO DITAS

Por Zeca Camargo

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Fiquei inspirado a escrever alguma coisa quando, esta semana, encontrei numa livraria a coletânea de contos Como se não houvesse amanhã, organizada por Henrique Rodrigues e editada pela Record. Trata-se de uma série de histórias inspiradas em músicas do Legião Urbana – uma iniciativa interessante, que deve agradar não apenas aos fãs da banda (e de Renato Russo), mas aos leitores que gostam de um bom exercício lúdico.

Usar música como inspiração para literatura não é novidade. Por exemplo, o autor de Alta fidelidade, Nick Hornby, fez sua carreira literário em cima disso. E vale lembrar também de uma série de pequenos livros (que coleciono não muito religiosamente) chamada “33 1/3” – uma referência à rotação necessária para tocar os antigos LPs de vinil (consulte seu tio “mais velho” para mais detalhes). Ela convida escritores de vários estilos a contar uma história em torno de um álbum clássico do pop/rock (meus favoritos são um sobre “Unknown pleasures”, do Joy Division, por Chris Ott; “Pink moon”, de Nick Drake, por Amanda Petrisich; “Doolittle”, do Pixies, por Ben Sisario; “Endtroducing”, do DJ Shadow, por Eliot Wilder; e obviamente “Meat is murder”, do The Smiths, por Joseph T. Pernice – mas não, curiosamente, “Achtung baby”, do U2, por Stephen Cantanzarite, nem “OK Computer”, do Radiohead, por Dai Griffiths).

Mesmo não sendo muito original, a idéia de Como se não houvesse amanhã me pareceu bastante oportuna – nem que fosse pela passagem recente (lembrada com entusiasmo aqui mesmo na internet) da data que marcaria o aniversário de 50 anos de Renato Russo, agora, dia 27 de março. Como qualquer coletânea, ela é bastante irregular. Mas a maioria dos textos é interessante – são menos tributos apaixonados do que elegantes referências a obra daquele que foi um dos mais inspirados poetas e um dos mais apaixonados compositores do nosso pop.

Nenhum dos textos “baba ovo” para o Legião, mas há sempre uma alusão discreta e carinhosa às músicas escolhidas pelos colaboradores (boa parte deles, notei, nascida nos anos 70). Entre os que mais gostei, estão o de Ramon Mello (em cima da música “Sereníssima”); o disfarçadamente triste reencontro descrito por Susana Fuentes (baseado em “Quando o sol bater na janela do seu quarto”); e o conto de Miguel Sanchez Neto, inspirado por “Meninos e meninas”, que começa com essa quase perfeita frase: “É preciso passar por muitas decepções para merecer de novo o primeiro amor”.

Totalmente imbuído desse espírito, lá fui eu tentar minha sorte na ficção, com a mesma desculpa: usar uma música do Legião Urbana para contar uma história. O primeiro desafio, claro, era escolher uma canção que os outros autores ainda não haviam usado. Para minha surpresa, entre as 20 músicas escolhidas, duas das minhas favoritas ficaram de fora: “Índios” e “Quase sem querer”. Qual das suas eu deveria ser minha opção?

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[Blog Zeca Camargo - G1 -29.03.10]


Um comentário:

Anônimo disse...

tá podendo, hein filho...

bjo e miau.