segunda-feira, junho 28, 2010

ME ROUBARAM UNS DIAS CONTADOS

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Editora Record e Livraria Museu da República convidam para o lançamento do livro

Me roubaram uns dias contados, de Rodrigo de Souza Leão

Dia: 02 de julho, sexta-feira, 19h

Debate com Franklin Alves Dassie, Leonardo Gandolfi e Suzana Vargas. Mediação: Ramon Mello

Livraria Museu da República
Rua do Catete, 153. Palácio do Catete
Rio de Janeiro/RJ - Tel: (21) 2556 5828

O Museu da República dispõe de estacionamento e fica em frente à Estação Catete do Metrô.

> João Paulo Cuenca comenta o livro Me roubaram uns dias contados, no Estúdio i da Globo News:








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Um surto de arte (morte e ressurreição de Rodrigo Souza Leão)

Um ano depois de sua trágica morte, o escritor e pintor esquizofrênico Rodrigo de Souza Leão renasce com novo romance, 35 telas e reedição do livro de estreia

Texto de Arnaldo Bloch

“Só vou morrer se eu ganhar o Nobel”, escreveu Rodrigo de Souza Leão, aos 43 anos, na superfície do último óleo sobre tela que pintou, em 2009. Depois de 20 anos sem sair de casa — exceto quando arranjava uma namorada (via telefone ou e-mail), e os pais o levavam às respectivas alcovas —, ele enfim cedera: começara a frequentar as aulas de João Magalhães no Parque Lage. A produção de telas aumentou até atingir 35, algumas de grandes dimensões. A produção literária também: um ano transcorrido do sucesso cult e da fortuna crítica de Todos os cachorros são azuis (7Letras) — livro que narra o surto em que se manifestou sua esquizofrenia, aos 23 anos —, estava prestes a concluir um romance novo, de fôlego, Me roubaram uns dias contados (a ser lançado no próximo dia 2, primeiro aniversário de sua morte, pela Record).

— O trabalho do Rodrigo mistura mundo interno e externo de maneira radical. É uma escrita feroz. O cara não brincava em serviço, não escrevia por charme ou pedantismo. Escrevia com imensa coragem, para resistir à loucura, e para existir — reflete o crítico José Castello, colunista do GLOBO.

Crítica literária e coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Beatriz Rezende faz coro:

— O motivo de Rodrigo ser publicado não é a esquizofrenia. Ele tem profunda consciência da dor de perder a razão. Nesse oscilar entre o fluxo descontrolado e a tentativa de controle se estabelece uma fricção, uma luta de linguagens que resulta poética.

Uma vez pronto o novo livro, Rodrigo parou de tomar os remédios e passou a escondê-los dentro do computador. Como a zombar das variadas pílulas que, na escrita, tratava como personagens, ao lado de Rimbaud, Proust, o cachorro azul e as mulheres de olhos azuis. Azuis como o fio que refazia o mundo de Arthur Bispo do Rosário. Azuis como certos temas poéticos de Stella do Patrocínio, e constante no trabalho de outros artistas esquizofrênicos no país de Nise da Silveira e do Museu do Inconsciente.

Em abstinência, Rodrigo, então, soube que a autora Glória Perez ia estrear uma novela com um personagem esquizofrênico. Fez chegar às mãos dela um exemplar de Todos os cachorros são azuis. Quando a novela foi ao ar, e Tarso (vivido por Bruno Gagliasso) fez, pela primeira vez, referência a um chip implantado em seu cérebro,

Rodrigo se inquietou. É que, 20 anos antes, em seu primeiro grande surto — descrito no livro a que Glória teve acesso —, Rodrigo acorda, olha-se no espelho e cisma que engoliu um grilo. Vai trabalhar assim mesmo. Formado jornalista, aos 23 anos era assessor da área de seguros da Caixa Econômica Federal.

Chegando ao escritório, no 26º piso da Torre Rio Sul, viu-se perseguido por um japonês com uma zarabatana. Desceu correndo os lances escuros das escadas tendo a seu encalço o índio japa que, enfim, o atinge com a seta que continha o chip.

Não adiantou dizer a ele que a impressão de ter um chip na cabeça é um clichê da esquizofrenia e, portanto, não configurava plágio. Furioso, escreveu uma carta aberta a Glória, publicada no “Jornal do Brasil”. Mas não chegaria a vê-la impressa: a cena na qual Tarso tenta matar o namorado da irmã causara-lhe tamanho impacto que Rodrigo passou a ter medo de matar seu irmão Bruno, companheiro de quarto, a quem pagava (de sua aposentadoria antecipada) para ciceroneá-lo ao Parque Lage ou protegê-lo dos delírios olfativos que o atormentavam: cheiro de morte, cheiro de merda, cheiro de cemitério, emanações, segundo ele, enviadas pelo vizinho do apartamento de cima, ex- colega da CEF, provavelmente mancomunado com o nipo-cacique.

Pediu para ser internado. O mais rápido possível. O pai, o médico Antônio Alberto, não queria. A mãe, Maria Sylvia, tampouco. A irmã, Maria Dulce, levou-o.

— Ele foi abraçado ao travesseiro preferido dele — recorda.

Uma semana depois, morreria, vítima de uma parada cardíaca. Os pais e os irmãos desistiram de fazer autópsia quando leram uma carta datada de um mês antes, que estava no seu computador:

“Papai, Mamãe, Bruno e Dulce. Vocês sabem muito bem que a minha vida não foi fácil. Sofreram muito. Sofremos juntos. Sofremos nós. Eu gostei da vida e valeu a pena. Muito obrigado por terem me ensinado tudo. Amo muito vocês todos. Tomara que exista eternidade. Nos meus livros. Na minha música. Nas minhas telas. Tomara que exista outra vida. Esta foi pequena pra mim. Está chegando a hora do programa terminar. Mickey Mouse vai partir. Logo nos veremos de novo. Nunca tenham pena de mim. Nunca deixem que tenham pena de mim. Lutei. Luto sempre. Desculpem-me o mau humor. É que tudo cansa. Kkkkkk...”

Apesar do alegado mau humor da carta de despedida de Rodrigo (que, paradoxalmente, se encerra com o “kkkkkkk”, popular onomatopeia contemporânea para o riso), é quase de alegria o clima na casa da família, entre Copacabana e Lagoa, às vésperas do lançamento de “Me roubaram uns dias contados” (na mesma data, “Todos os cachorros são azuis” será relançado). A impressão é de que o humor de Rodrigo e a comicidade involuntária que perpassa seu drama são compartilhados por todos como uma maneira de mantê-lo vivo. Para essa leveza permeada de comoção contribuiu, certamente, a noção de que o filho e irmão queria mesmo partir.

Ao poeta Ramon Mello, um de seus incentivadores, organizador de sua obra e em vias de montar uma peça baseada na mesma (parceria com o ator Flavio Souza), Rodrigo dizia que “se chegasse aos 50 anos já estaria bom demais”.

— Depois ele repetiu isso várias vezes. Eu protestava, e ele dizia para eu relaxar, porque, “depois que morre, todo mundo vira Ana Cristina Cesar”. Pior que tem um fundo triste de verdade nisso... só depois de morrer ele começou a chamar mais atenção da mídia e conseguiu uma editora de grande porte.

Percurso em zigue-zague

No sofá azul da sala, Babi, a cadela yorkshire de Rodrigo, parece postar-se ao lado de seu fantasma na entrevista da ultima quarta-feira com os pais, Antônio e Maria Sylvia, e os irmãos, Bruno e Dulce.

— Todos os dias, lá pelo crepúsculo, ela vai até a porta. Tinha se acostumado com a nova rotina do Parque Lage — descreve Maria Sylvia.

Levada ao corredor onde está afixada a maioria dos quadros de Rodrigo (que devem ser doados para a Casa de Rui Barbosa), Babi, em zigue-zague, observa as paredes em busca de um refúgio, transmitindo a ilusão de que aprecia as telas. Assim era o percurso de Rodrigo: inebriado, sinuoso, multipolar. Sua arma era a de muitos escritores “saudáveis”, se é que isso existe: a autoironia, a consciência dos limites, a busca por uma saída.

— Ele habitava um espaço difícil e ambíguo, onde aluci- nação e arte se superpõem. Se isso é complicado para escritores que se julgam “normais”, imagine para ele. A crítica que se ocupar de Rodrigo tem que tomar cuidado com a questão martirológio & arte — analisa o poeta e cronista Affonso Romano de Sant’Anna, com quem Rodrigo se correspondia com frequência.

A morte como prêmio

Ao contrário das demais internações, Rodrigo esteve indócil ao longo daqueles dias. Tentou estrangular uma enfermeira; foi para o quarto seguro, onde passou os dias aos gritos; sequer olhou para a mãe quando esta foi visitá-lo, ocupado em disputar com um enfermeiro a faixa de judô com a qual era atado à cama para não se ferir.

— Um paciente advogado organizou um abaixo-assinado para que ele fosse expulso. Advogado adora um abaixo- assinado — relata o pai, num dos vários rasgos de humor que deram o tom daquele fim de tarde na casa da família Leão. — Quando ele morreu, o sujeito voltou atrás e acusou o médico de tê-lo matado.

Se Rodrigo se suicidou, ou se provocou uma hipermedi- cação, ou até se foi morto, permanecerá um mistério. De certo mesmo (a valer a lógica daquela sentença galhofeira carimbada em sua última tela) só o fato de que Rodrigo conseguiu, em algum evento muito bem demarcado no universo paralelo de sua imaginação compulsiva, o seu Nobel, ainda que, nesta intrincada lexicografia, o prêmio seja a própria morte.

Trecho do livro Me roubaram uns dias contados

“Rodrigo é beato. Acredita em deuses. Cristo. Iemanjá. Apolo. Afrodite. Ateneia. Exu. Afrodite. Mickey Mouse. Chaves. (...) Tudo o que vem do humano é Deus. Uma geladeira. Uma máquina de lavar. Conheci deuses na infância. Garotos que morreram. Solidões inóspitas que só se davam comigo. Café com leite. A utopia é importante. Escrever uma página hoje já é uma utopia. O futuro manda lembranças. As lambanças que fiz. Que farei. Eu sofro. Sofro de um sopro de vida”

Escrever é falar sem ser interrompido

por Suzana Vargas

Leio emocionada Me roubaram os dias contados, último livro escrito por Rodrigo Souza Leão, um misto de romance, diário autobiográfico ou colagem de contos interdependentes em que um personagem escritor-narrador se aventura na floresta de sua psique, extraindo matéria-prima para sua ficção. Poderíamos dizer que pertence a uma certa linhagem da prosa brasileira contemporânea essa mistura de gêneros, se o texto de Rodrigo não levasse essas tendências ao limite de um desafio.

São 335 páginas de um quase tratado ficcional de uma não ficção no sentido mais literário do termo. Personagens, não personagens, episódios múltiplos aparecem e somem através do alter ego do autor, que reflete sobre sua criação e criaturas, sobre seu mundo interno e externo. O que vai surgindo aos poucos e fantasticamente é nosso mundo, tão pleno de ausência de sentido quanto real. TVs, canais especiais, telefones, sexofones, internet e os mais velozes meios de comunicação fazem parte desse cotidiano pleno de palavras sem que uma só — a essencial — seja pronunciada. Extremamente solitários, os personagens (e seu criador) estão imersos no desamor e nas receitas de felicidade alardeadas pela propaganda a que Weimar (o protagonista) e seus dez aparelhos de telefone têm acesso do fundo de seu confinamento.

Súmula de suas referências culturais, o autor — morto em 2009 — vale-se de sua conturbada biografia para esta recriação. O que deseja é gritar contra a falta de sentido dos limites que nos autoimpomos no campo existencial e literário. Deste ponto de vista, somem as fronteiras entre os gêneros, e conceitos como eternidade, sexo, amizade, amor caem por terra através de um rigoroso e desesperado autoexame.

O livro estrutura-se em quatro partes. Em todas, os personagens estão permeados pela mesma síndrome: o pavor de um contato mais profundo com eles mesmos. Essa relação se radicaliza no segundo capítulo, onde surge o próprio Rodrigo em feroz depoimento. Sem autocomplacência, não poupa nada nem ninguém. Impossível ficar de fora: com quantos medos se faz uma síndrome do pânico? É o que nos pergunta a certa altura. Segundo ele, ou Kafka, ou Weimar, ou quem quer que lhe tenha soprado essas palavras: "Vamos envelhecer e morrer. Isso já não basta. Quem quer viver para sempre é um idiota. O que nos faz melhores é o fato de não sermos mortais? O que é a imortalidade? A repetição. O eterno retorno. O circular filosófico. Não estamos de passagem. Estamos e só. O que quero conseguir quero em vida".

Acompanhado de interlocutores como Platão, Schopenhauer, Machado ou Proust, Rodrigo dialoga a partir de sua doença com nosso mundo doente e mágico onde "O segredo é não fazer exame para ter saúde". Livro implacável e belo que reflete a um só tempo a crise da narrativa humana afirmando a necessidade inadiável da poesia e da escrita. A escrita enquanto manifestação profunda de procriar e continuar. Como nos fala ainda seu autor: "Escrever é uma forma de falar sem ser interrompido".

Suzana Vargas é escritora.

4 comentários:

Anna Luisa Araujo disse...

cara, estou com trabalho saindo pelas orelhas, mas eu estarei lá.
um beijo, ramones

ANDREA CARVALHO STARK disse...

bacaníssimo blog e bom conhecer mais sobre Souza Leão... Coloque o widget "seguidores"! Quero seguir e receber as notícias.BJ

Anônimo disse...

Oi...
Flutuei por aqui...
E te deixo com...
beijos floridos e belos...
Leca

Isadora P. disse...

Oi, Ramon!

Muito bacana o convite para o lançamento do R.S.L.
Devo ir, junto com a Sílvia e a Carolina (monitora).

Até lá,

beijos