segunda-feira, agosto 23, 2010

“Não creio que haja nenhum período feliz na nossa vida. Às vezes há uma fase de inconsciência da infelicidade. Nesse espaço de tempo, julgamos estar vivendo uma época feliz. Em realidade, o descontentamento não veio à tona. Estava em gestação no acontecimento. Só notamos quando a ocorrência vem à superfície dos nossos cinco sentidos. Porém ele nunca deixou de existir. É a esse hiato entre a ignorância e o conhecimento do desagradável que denominamos puerilmente de “época feliz”. O próprio amor que é a mais verdadeira proximidade da felicidade, não desligado jamais de um grande subterrâneo sofrimento. Sobre as horas ardentes de uma plena satisfação amorosa, estão o desgosto e o sofrimento vigiando o primeiro cansaço e o primeiro tédio para flutuarem num tempo mais largo, com maior duração e fundas conseqüências do que o momento nos trouxe a sensação do eterno (...) Sou um ser anaglífico vivendo uma sincera fusão de duas imagens de perspectivas semelhantes. Há uma intensidade de forças em profundidade e em extensão girando em meu redor como o ectoplasma. Daí sentir-me constantemente no limbo.”

Adalgisa Nery, A Imaginária (1959)


[anaglífico: adj. 1. em que há anáglifos; 2. em que há ilusão de relevo ou profundidade]

Nenhum comentário: