quarta-feira, dezembro 21, 2011
ORNITORRINCO
visite: http://nomedacousa.tumblr.com/ornitorrinco
O PODER DO MITO
você deve ter ouvido falar em alguns dos livros dele: 'O herói de mil faces', 'Para viver de mitos', 'O vôo do pássaro selvagem' ou 'A jornada do herói'...
há um vídeo com uma série de 7 entrevistas de Joseph Campbell por Bill Moyers. o registro, raríssimo de encontrar, está disponível no You Tube, em trechos:
A Mensagem do Mito
A Saga do Herói
Os Primeiros Contadores de Histórias
Sacrifício e Felicidade
O Amor e a Deusa
Máscara da Eternidade
quinta-feira, outubro 20, 2011
LANÇAMENTO GUERREIRA GUERRILHA

dia 18:
A reedição do (até então raríssimo) livro de poesia Maria Bethânia Guerreira Guerrilha - lançado às vésperas da promulgação do asfixiante Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968 - motivou Maria Bethânia a fazer no Teatro Sesc Ginástico, no Rio de Janeiro (RJ), duas apresentações do recital de poesia Bethânia e as Palavras para celebrar a obra do poeta e jornalista Reynaldo Jardim (1926 - 2011), autor do livro considerado subversivo e pornográfico pelo regime militar da época. Por conta da ocasião, Bethânia - vista em foto de Rodrigo Amaral na apresentação desta terça-feira, 18 de outubro de 2011 - incluiu no roteiro poema de Jardim, O Que se Odeia no Índio, escolhido ao acaso quando a intérprete abriu o livro que compila a obra do escritor, Sagradas Escrituras, conforme a artista contou em cena. Orgulhosa com a reedição, a intérprete teceu loas ao poeta ao longo da apresentação aberta com a exibição de vídeo com o trecho do curta-metragem Profana Via Sacra (de Alisson Sbrana) em que Jardim recorda a saga do livro, cuja primeira edição foi quase toda confiscada e destruída pelos órgãos repressores do Governo da época. Na sequência da abertura, o ator Elias Andreato entrou no palco para recitar trecho do longo poema do livro e somente então depois Bethânia, a senhora da cena, apareceu para fazer o espetáculo em que entrelaça música e poesia. No bis, a pedido de um espectador, Bethânia cantou Carcará (João do Vale e José Cândido), o tema que alçou voo alto pelos ceús do Brasil desde que foi abordado pela artista em 1965 no show Opinião, em interpretação tão marcante que inspirou Jardim a escrever o livro ora relançado pela Móbile Editorial sob a organização de Marcio Debelian e Ramon Mello. Em cartaz no Sesc Ginástico somente até 19 de outubro, Bethânia e as Palavras voltou à cena mais longo - com a adição de músicas como a guarânia Meu Primeiro Amor (Lejania),sucesso da dupla Cascatinha & Inhana, e Todo o Sentimento (Cristóvão Bastos e Chico Buarque) - porém com a mesma estrutura básica da primeira temporada do recital, iniciada em 2 de setembro de 2010 no Teatro Fashion Mall (clique aqui para ler a resenha da estreia e aqui para ver o roteiro), no mesmo Rio de Janeiro (RJ) para onde Bethânia trouxe de volta seu canto sagrado e suas palavras valentes para celebrar a poesia de Reynaldo Jardim.
Maria Bethânia recorre às palavras ternas da toada O Menino de Braçanã - lançada em 1954 pelo cantor pernambucano Luiz Vieira, parceiro do carioca Arnaldo Passos (1910 - 1964) na singela composição - para celebrar sua mãe, a centenária Dona Canô, ao fim do recital de música e poesia Bethânia e as Palavras. Como visto na foto de Rodrigo Amaral, é com a imagem de Claudionor Viana Telles Veloso - hoje com inacreditáveis 104 anos - projetada ao fundo do palco que Bethânia sai de cena após cantar a toada que narra a história do menino interiorano preocupado em voltar logo para casa para não afligir sua mãe. De volta ao Rio de Janeiro (RJ), onde fica em cartaz no Teatro Sesc Ginástico até 19 de outubro de 2011, o recital celebra nessa microtemporada carioca a reedição do (até então raríssimo) livro Maria Bethânia Guerreira Guerrilha (1968), do poeta e jornalista Reynaldo Jardim (1926 - 2011).
=> Crônica de Arnaldo Bloch, O Globo:
Antes de iniciar o recital da última terça, no Sesc-Ginástico — celebrando o relançamento da obra (1968) do recém- saudoso Reynaldo Jardim em sua homenagem — Bethânia falou dos tempos estranhos que vivemos. Não me recordo exatamente de suas palavras, mas era algo sobre a pressa de tudo fazer e a quase impossibilidade do silêncio.
Tempo no qual, disse Bethânia, dizer poesia (a palavra, o conceito, os versos) é tido quase como uma ofensa. Essa introdução, nas duas horas que se seguiram, voltou-me à mente a cada trinado de celular que insistia em perturbar aquele espaço de delicadeza. Ou, nas palavras de Fausto Fawcett, “pacto de delicadeza”.Contei dez, ao todo, apesar dos avisos antes de apagarem-se as luzes. Havia um toque de rock; o toque clássico da Nokia; abominações de todo tipo; e um simulacro de passarinhos. Na fila da frente, um cidadão tentava filmar o recital, refletindo a luz diabólica de sua telinha nos meus olhos. Tive que ser rude para que ele parasse de uma vez por todas. E ele não se conformou até o final. Coitado. Um doente. Devia estar internado.Na fila de trás, um facínora falava ao celular. Creiam. Falava. Tipos assim deveriam ser expulsos do teatro como um molestador de virgens é lançado de uma boate porta afora pelo leão de chácara. Jogado à rua para cheirar a sarjeta e acordar. Uma segunda chance.
Os trinados durante o recital, as tentativas de filmagem, as conversas paralelas, soavam como protestos contra a ofensa que Bethânia impunha: quem ousa dizer poesia está confrontando a nova ordem. Bethânia dizer poesia (ainda que num recital de poesia de Bethânia) é um acinte, um soco nas pernas que tremem de ansiedade pelo próximo torpedo, pelo e-mail com esporro do chefe, pelo resultado do futebol.
Bethânia, contudo, não chiou. Deixou os trinados irem e virem e serem sobrepujados e capturados pelas teias do seu dizer, até que o silêncio (entre os versos e diante deles, entre as sílabas, ou contidos em si, quando Bethânia calava na sua cadência) voltasse a imperar sobre a Terra. Na sequência de pouco mais de 60 itens, as canções, inversamente aos shows usuais da cantora, interpunham-se aos poemas como pérolas. Diferentemente dos espetáculos musicais — quando Bethânia lê poesia a cada quatro ou cinco canções — neste recital Maria usava a canção para pontuar a torrente de poesia. Enquanto nos shows os ápices interpretativos são nas canções, no recital elas são sínteses contidas.
O silêncio tem sido a palavra de ordem de Bethânia, desde que se instalou a controvérsia sobre o tal site de poesia, quando sua participação numa iniciativa que envolvia dinheiro público e novas tecnologias foi convertida pela quase totalidade da mídia (e pela fúria dos leitores e comentadores de sites e blogs) num processo de linchamento público raramente visto e certamente desmerecido.Bethânia, apesar de sua sabedoria, provavelmente não soube calcular, por distração ou por boa fé, nesses “tempos estranhos” em que só se sabe discutir através de sentenças maniqueístas (só existem o bem absoluto e o mal mais sórdido) o efeito que teria o seu nome — o nome de alguém tido pelo público como o de uma santa — associado ao uso do erário. Foi como jogá-la aos leões.
Desde então, Bethânia se recolheu. Parou praticamente de falar à imprensa e, num gesto radical, tirou o seu site do ar e jamais o reativou. Muita gente em seu círculo apela para que ela volte atrás nesse particular, mas ela não arreda pé: não quer nada com esse meio, o meio digital. Sente saudades, como disse no recital, dos anos 1960, 70, até os 80, quando as pessoas se reuniam para trocar emoções, no lugar de ficarem em seus mundinhos de ruídos e simultaneidades polisassaturadas.
Para sua produção, seu marketing, seus contatos, seus fãs informatizados, ficou difícil a vida sem o site. Não deixa, porém, de ser admirável ver alguém assim determinado a dar uma banana à digitália. Ela é Bethânia, “Guerreira, guerrilha” (título do livro-poema de Reynaldo Jardim relançado por iniciativa de Ramon Mello e Marcio Debellian). É Bethânia com ela mesma, e todos os santos e orixás, fazendo seu gesto de protesto, punho cerrado como em “Carcará” (perdi o bis com “Carcará” por causa de um rendez-vous telefônico de trabalho que me fez sair do teatro e que se revelou inútil).
Bethânia está além do tempo, do ruído e do silêncio. Ela sabe “fabricar distâncias”, como no poema de Jorge de Lima. E, quando ela julgar por bem, voltará ao ciberespaço. Ou não. Dane-se.Para finalizar, Bethânia recitando “Os sapos” de Bandeira fazendo inflexões coloquiais no estribilho (foi, não foi...) é um trabalho celestial de atriz. A menção ao ensino público (via professor Nestor de Oliveira) é uma porrada. E a leitura da epifania amorosa de Riobaldo, bem mais lenta e declamada do que a velocidade do pensamento quando se lê Guimarães, é uma redescoberta da pólvora.
Quanto ao “Carcará”, contaram-me que o êxtase foi tamanho que a proibição de filmar se desfez e os celulares se libertaram. E que em certo ponto, sua voz não era mais a sua voz, e sim algo que dos céus baixou. Está no YouTube, mas não vou assistir, em respeito ao voto de silêncio eletrônico de Bethânia. Só assisto quando o site voltar ao ar. Paciência se não vi. Vi, não vi, vi...
terça-feira, outubro 04, 2011
MARIA BETHÂNIA GUERREIRA GUERRILHA

Editor: Eduardo Coelho
Organização: Marcio Debellian e Ramon Mello
Editoração e Produção Gráfica: Leandro Collares.
Imagens: Alisson Sbrana
Trilha Sonora: Loudes Ábido

Ode poética a Maria Bethânia proibida pelo regime militar ganha nova edição, 43 anos depois, com dois shows-recitais da cantora
Luiz Felipe Reis [O Globo – Segundo Caderno – 4 de outubro de 2011]
Às duas horas da manhã, Maria Bethânia foi surpreendida com 20 homens à porta de casa. Era dezembro de 1968. O AI-5 fora decretado havia poucos dias, e, sem qualquer explicação, a cantora foi levada a um quartel da Zona Norte do Rio. O interrogatório atravessou a madrugada.
Em São Paulo, Caetano Veloso e Gilberto Gil já haviam sido presos. Os militares queriam informações sobre Geraldo Vandré. Mas não só. Insistiam em perguntas sobre um livro que o poeta Reynaldo Jardim havia escrito em homenagem à cantora. O título. Maria Bethânia Guerreira Guerrilha, havia feito soar o alerta vermelho nos órgãos de repressão sobre a cantora que, três anos antes, causou impacto no show Opinião, em que entoava, substituindo Nara Leão, uma inflamada versão de Carcará, de João do Vale e José Candido.
"Foi um período terrível... Fui presa no Rio de Janeiro, dentro da minha casa (...) Queriam saber por que eu causei esse livro, por que esses cara escreveu esse livro para mim... É um poema lindo do Reynaldo, uma coisa de amor que ele fez (...) Eles mostraram o depoimento dele e batia com o que dizia: "Eu sou uma mulher de palco, ele assistiu ao meu espetáculo. É um intelectual, um poeta, e queria escrever um poema, que deu num lindo livro que foi publicado e logo proibido", lembrou a cantora numa entrevista a Marília Gabriela, no programa "Cara a Cara", em 1992.
Impactado pela estreia de Bethânia em solo carioca, ao lado de Zé Keti e João do Vale, em 1965, Jardim passou três anos burilando um pequeno poema que, aos poucos, transformou-se no tal livro. Lançado no dia 28 de novembro de 1968, com mil cópias, a obra circularia por apenas 15 dias. Considerada subversiva e pornográfica, Maria Bethânia Guerreira Guerrilha foi retirada das livrarias e seus exemplares foram queimados - inclusive o que foi entregue à cantora. Agora, oito meses após a morte do autor e 43 anos depois de sua primeira e única impressão, a obra será publicada pela editora Móbile. O lançamento será acompanhado de duas edições especiais do show-recital Bethânia e as palavras, que a cantora realiza nos dias 18 e 19 no teatro SESC Ginástico.
Responsáveis pelo resgate histórico-literário, o produtor Marcio Debellian e o poeta e pesquisador Ramon Mello encaram o projeto como um triplo acerto de contas com a ditadura: retirar um livro-poema do calabouço, resgatar um poeta do ostracismo e homenagear uma artista que iluminou o cenário musical brasileiro mesmo tendo surgido em meio ao mais tenebroso e obscuro momento político da História do país.
- O livro nunca chegou de fato ao público, pouquíssimas cópias restaram - conta Debellian. - A republicação é uma homenagem aos dois. Para quem é de uma geração que tem formação musical, poética e afetiva que passa pelo encanto de ouvir Maria Bethânia declamar poetas como Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moares, parecia incoerente e injusto que uma ode poética em sua homenagem permanecesse sob o cálice da ditadura.
Ramon Mello define a republicação como "um ato político".
- O livro é uma declaração de amor em versos num crítico momento da política brasileira. É a palavra como arma - diz. - Acho que muitos textos, canções e até filmes já poderiam ter sido feitos sob a influência desse trabalho do Reynaldo, que era um poeta incrível.
Admirado por Ferreira Gullar, Hélio Pellegrino e Ana Arruda Callado - todos com depoimentos na contracapa - Reynaldo começou a carreira no "Correio da Manhã", criou o Suplemento Dominical do "Jornal do Brasil, dirigiu o lendário e combativo jornal "O Sol" e esteve no centro da poética disputa de poder e influência entre os concretistas paulistas e os neoconcretistas cariocas - seara em que militava.
- Muitos poetas e escritores escreveram sobre Maria Bethânia, Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes, Caio Fernando Abreu, Fauzi Arap, Clarice Lispector... Os textos são lindos, sem dúvida. No entanto, o mais belo retrato foi pintado com as palavras do Reynaldo - diz Ramon.
Depois de vasculhar - sem sucesso - o acervo de sebos espalhados pelo país, Debellian e Ramon resolveram, no começo do ano, entrar em contato com a família do escritor e comprar os direitos do livro.
Trabalhada desde abril, a nova edição segue à risca o projeto gráfico original idealizado pelo poeta. A capa estampada em suas grandes e pouco convencionais medidas (36 cm de altura por 18 cm) será mantida, assim como a tipologia que se vale de uma variada gama de fontes e tamanhos.
- Não fazia sentido pensar em mudanças em relação à primeira edição - diz Debellian. - Ele dizia que existia uma ditadura de tipologias na época, então decidiu usar todas as que tinham à disposição naquele momento.
Guerreira Guerrilha é um poema polifônico para ser interpretado a três vozes - a mudança tipográfica assinala cada alteração. O autor, que se referia à obra como uma "uma ode heróica", alertava que o poema era "muito mais para ser ouvido do que para ser lido".
- Em alguns momentos, o texto atinge um frenesi tamanho que remete a um estado de guerra, um tiroteio sobre nossas cabeças - diz Debellian.
E o professor e pesquisador Júlio Diniz, do Departamento de Letras da PUC - Rio, que assina o prefácio da nova edição, dá seu parecer:
- O poema é um soco, um gesto potente e rebelião contra o silêncio imposto e o controle da criatividade e invenção artísticas. É um poema polifônico, amplo, plural, compartilhado, democrático, unindo vozes, gestos e perfis distintos.
Inovadora e revolucionária
Considerada uma peça inovadora e revolucionária por sua estrutura atípica, Maria Bethânia Guerreira Guerrilha constrói, em 43 páginas de poesia (no original; a segunda edição atual, com prefácio e outros textos, tem 93 páginas) versos que enfatizam os opostos que formam a cantora: combativa e amorosa, rebelde e delicada...
"A unidade do poema está na sua inspiração: Bethânia, um ser múltiplo. Completo e inacabado ao mesmo tempo", disse Reynaldo Jardim, numa entrevista ao "Jornal do Brasil" na época do lançamento.
Para Ramon Mello, autor de Vinis Mofados, "o livro captura o leitor pela força do verbo"
- Reynaldo mistura diferentes vozes para mostrar a força e o talento de uma cantora que aos 18 anos mostrou a que veio. Cantar sua língua, suas raízes.
E o produtor Marcio Debellian encerra a batalha reafirmando e redimensionando a porção guerreira da musa inspiradora do poeta Reynaldo Jardim:
- É inegável que Bethânia tem a alma de guerreira. É filha de Iansã, demonstra isso em sua postura artística. Mas tem algo da guerreira que se adoçou ao longo do tempo. Ela continua dizendo coisas fortes e revolucionárias, só que revestidas de beleza, e não com um "fuzil na voz" como o contexto da época queria impor.
=> matéria do site Cultura.RJ, da Secretaria de Estado de Cultura:
A guerrilha de Bethânia
Cantora presta homenagem a Reynaldo Jardim, em show que celebra reedição do poema polifônico que o poeta escreveu para ela há 43 anos
Por Gustavo Durán
Para ser ouvido
Impressionado com a apresentação vista em 1965, Reynaldo Jardim pajeou sua musa e o projeto do livro durante três anos, chegando a ler alguns trechos no próprio Teatro Opinião, na presença de Bethânia. Na hora de compor a obra, Jardim ousou e criou um poema polifônico, como explica Mello: “Existia também uma ditadura de linguagem que exigia um padrão e um tipo de letra. Jardim optou por usar todas as tipologias que havia na gráfica, e isso já era ousadia. E dependendo de como você faz a leitura, é outro poema”.
Já Debellian ressalta que a obra foi feita para ser ouvida: “É um poema que deve ser mais escutado do que lido. Na forma em que o Reynaldo escreveu, o livro deveria ser lido por três vozes, acompanhadas de um atabaque”. Mesmo tendo sido considerada pornográfica, a publicação só fazia uma referência ao órgão sexual feminino que, segundo o próprio Jardim, “é a palavra mais bonita da língua portuguesa”.
Pesquisa
Pouco tempo se passou entre a decisão de levar o projeto à frente até sua conclusão. Em abril, Debellian e Mello começaram a negociar os direitos autorais da obra, enquanto faziam a pesquisa em bibliotecas e tinham acesso ao acervo pessoal de Jardim. “Comecei a buscar pela obra e não achava nas livrarias, estava esgotado”, explica Mello, que complementa: “Quando encontrei o livro na internet, o preço era tão absurdo que saiu mais barato comprar os direitos autorais”. Com a ajuda da viúva de Reynaldo Jardim, Ramon e Marcio tiveram acesso não só ao original de Maria Bethânia Guerreira Guerrilha, como também a reportagens da época, de jornais como O Sol.
segunda-feira, outubro 03, 2011
ALEGRIA ALEGRIA
sábado, setembro 10, 2011
terça-feira, agosto 30, 2011
TUDO VAI FICAR DA COR QUE VOCÊ QUISER
Queridos amigos,
Como vocês sabem, sou o curador da obra do poeta Rodrigo de Souza Leão, que faleceu em 2009 numa clínica psiquiátrica no Rio de Janeiro. A cada mergulho em seu universo – seja nos livros, na peça que estou em cartaz, nos vídeos e em tantas outras coisas que ele deixou - reafirmo a minha vontade de tornar a sua criação mais conhecida.
Foi com grande surpresa que me dei conta de que em poucos meses de EAV ( Escola de Artes Visuais do Parque Lage), Rodrigo produziu mais de 40 telas, algumas chegando a medir 3 metros, numa impressionante imersão em seu universo de inúmeras vozes e imagens.
A curadoria do MAM –RJ se interessou em expor telas e poemas do Rodrigo, e agendou a mostra TUDO VAI FICAR DA COR QUE VOCÊ QUISER entre 12 de novembro 2011 e 15 de janeiro 2012.
Entretanto, como não consegui patrocínio para o projeto, estou recorrendo ao financiamento colaborativo na web para tentar realizar a produção, que ainda necessita de R$ 30 mil. Existem várias cotas de apoio, a partir de R$ 15, com recompensas para quem colaborar.
Por favor, assistam ao vídeo do projeto no site Catarse e vejam se podem colaborar e/ou divulgar.
Muito obrigado.
Grande abraço, Ramon.
"Tomara que exista eternidade. Nos meus livros. Na minha música. Nas minhas telas. Tomara que exista outra vida. Esta foi pequena para mim."
Rodrigo de Souza Leão
Sábado, primeiro de agosto de 2009, abri o jornal O Globo, separei o caderno Ela, o Prosa e Verso e o Segundo Caderno como sempre. Vi primeiro a moda para relaxar. Mas ao pegar o Prosa e Verso, antes de partir direto para a coluna do José Castello, fui tragada pela foto de primeira página: um rapaz sentado de pernas cruzadas no canto de um sofá de inusitadas grandes flores azuis. Chamada da foto: “Rodrigo de Souza Leão: morto mês passado aos 43 anos, autor deixou romance inédito e ainda concorre ao Prêmio Portugal Telecom.” Li, então, de um fôlego só a matéria de Ramon Mello, poeta e jornalista, autor de “Vinis Mofados” (Língua Geral), esta poesia rápida que eu só viria a conhecer dois anos mais tarde:“encontros podem/ser mais do/que estratégias/acasos carências/dominicais” (Mosaicos, p.49).
Fiquei encantada com os trechos de um dos romances deixados por Souza Leão e que ocupavam os cantos da página dois do caderno: “Faz frio sempre em mim. Sou um cara sem amor. Sem carinho. Sem afeto. Acumulei desafetos nos empregos. Fui corretor como Kafka. Devedor como Balzac. Isso não me fez um bom escritor. Estou dando voltas. Círculos que me prendem em círculos. Vou andando em uma poesia visual. Vou cuspindo reticências. Escarrando sangue de vírgulas. Não uso vírgulas. As vírgulas parecem ouvidos. Elas só querem escutar algo: alguma palavra doce.”
Logo uma notícia na matéria me atraiu: Rodrigo de Souza Leão havia deixado o romance “Todos os cachorros são azuis” publicado pela 7Letras. Havia dois anos eu vinha trabalhando com literatura em aulas práticas para alunos de graduação da Faculdade de Psicologia da UFRJ quando estes passam pela disciplina de Psicopatologiano Instituto de Psiquiatria (IPUB) da mesma universidade. Nos dois primeiros semestres dessa experiência tinha trabalhado com “A redoma de vidro” de Sylvia Plath. Depois “Diário de Hospício” e “Cemitério dos Vivos” de Lima Barreto. Naquele momento estava me preparando para trabalhar com “O Alienista” de Machada de Assis com a próxima turma. Naquela manhã de sábado, a idéia “ano que vem vou tentar trabalhar com este autor” não mais me saiu da cabeça.
Na segunda-feira seguinte levei para a reunião com as monitoras a matéria do Prosa e Verso. Mostrei-a a Rita Isadora Pessoa e Carolina Cibella. Rita disse: “Conheço o Ramon. Posso falar com ele.” “Fala, por favor”, foi a minha resposta.
Saí em campo para ler “Todos os cachorros são azuis” enquanto lia Machado de Assis. Não foi difícil de achar. Li Souza Leão nas férias, mas aquele título para mim já era uma poesia, uma frase poética fulgurante como o sofá da casa de Rodrigo de flores azuis, na foto da matéria assinada por Ramon.
Março de 2010 chegou e com ele a nova turma para as aulas práticas. As monitoras e eu havíamos lido “Todos os cachorros...” e decidido: “É isso aí! É muito bom. Vamos lá. O que será que os alunos vão achar?”
Rita havia falado com Ramon que tinha se disposto a vir ao IPUB falar conosco, conversar sobre a obra do Rodrigo, seu encontro com ele e a curadoria do espólio artístico de Souza Leão. Ramon chegou um pouco atrasado para nosso encontro mas o bom foi que nossa conversa não parava e a aula tinha que começar. Ramon entrou na sala de aula que nesse dia foi a nossa conversa diante dos alunos que tinham lido “Todos os cachorros são azuis” e nos encontrávamos naquele momento no anfiteatro Henrique Roxo, nome de um dos psiquiatras de quem Lima Barreto fala em Diário de Hospício. Ramon leu poemas de Rodrigo e prestou depoimentos tão lúcidos quanto encantados com a obra do escritor assumidamente esquizofrênico. Contou também que havia obtido ainda em vida de Rodrigo a autorização para adaptar “Todos os cachorros...” para o teatro pois Ramon também é ator. Nessa mesma ocasião fez a mim o convite para participar do laboratório da peça. Apesar da minha inexperiência absoluta no assunto, aceitei. A possibilidade de levar esse texto para um palco me fisgou de primeira pelo desafio que imaginei seria. Além disso, se estava encantada com a escrita de Souza Leão não fiquei menos com o entusiasmo, a sensibilidade e a capacidade de trabalho de Ramon Mello.
A recepção dos alunos ao texto de Souza Leão era espetacular: ganhou de Sylvia Plath, Lima Barreto e Machado de Assis. Foi unânime a preferência pela contemporaneidade da estrutura literária, da musicalidade e da poesia em prosa de Rodrigo apoiada no bom e no melhor da tradição, Rimbaud e Baudelaire dentre outros.
Faz parte do exercício da aula prática que cada aluno escreva um comentário sobre o texto literário que está sendo trabalhado. Surgiram muitos escritos elogiosos, mas especialmente sensíveis ao incômodo que a literatura de Rodrigo causa. Incômodo que ao invés de afastar o leitor, o conduz a recônditos da alma humana que não são propriamente escondidos mas podem ser encontrados em qualquer esquina. Além disso, ao trazer de modo poético para a luz do dia a experiência psiquiátrica da loucura, da medicação e da internação da doença mental, aproxima-nos desse campo sem negá-lo, sem dramatiza-lo, sem vitimização, com a coragem de artista que se desnuda não para se mostrar mas para recriar a realidade. Costumo dizer nas aulas práticas que há um duplo trabalho na obra de Souza Leão: o do delírio (como disse Freud) e a do texto literário que compões com esses fragmentos de suas vivências.
Quais foram os delírios e as alucinações de Rodrigo? Jamais o saberemos. Sempre poderemos sentir junto os delírios e as alucinações que criou para seus personagens intermináveis em narração poética em múltiplas vozes. Assim somos testemunhas de sua lucidez e de seu sofrimento. Como testemunhas, nos irmanamos. Como leitores, as alucinações, os delírios, a lucidez e a angústia são nossos quando conseguimos lê-lo até o fim: “É verdade que as alucinações são coisas negativas. Mas bem que poderiam ser doutrinadas para ser positivas.” (p.47) Souza Leão faz aqui um trocadilho com a fenomenologia contemporânea que classifica os sintomas da psicose em positivos e negativos. No lastro de Machado de Assis, Lima Barreto e Plath, dentre muitos outros, mas esses especificamente, não deixa a ciência de fora, enfrenta-a de frente em seus próprios termos.
Mas Rodrigo por Ramon ainda não tinha concluído todas as retribuições ao meu encantamento com ambos. O ano de 2011 chegou e com ele a prometida montagem da peça “Todos os cachorros são azuis”. Como prometido também chegou já via produção, o convite para participar do ensaio aberto da peça teatral cuja direção estava entregue a Michel Bercovitch. Assistir esse jovem conjunto de atores e diretores em um ensaio aberto foi uma experiência comovente. Foram preciso cinco atores, cinco presenças, cinco vozes para compor o narrador de “Todos os cachorros são azuis”: as de Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello. E um assistente de direção para o Michel, o Flávio Pardal. Uma experiência comovente por me levar do campo sagrado da minha prática como psiquiatra, aprendiz de professora de psicopatologia para o terreno sagrado de um palco de teatro. Comovente porque o trabalho que tinham feito até ali já prenunciava o que viria/veríamos depois no palco do Teatro Maria Clara Machado no Planetário da Gávea de 10 de julho a 04 de setembro de 2011. As soluções de cenário e composição encontradas e exploradas para a narrativa de Souza Leão assim como a entrega emocional da direção e dos atores era contagiante.
Tinha levado comigo o melhor comentário escrito por uma aluna da turma do primeiro semestre de 2010, a Jessica da Silva David. Era o resumo mais sensível e mais bem escrito que conhecia do livro e queria compartilhá-lo com aquela outra turma, “Os Azuis”. O li em voz alta no palco onde na ocasião o grupo, então, me assistia. Todos adoraram. Jessica foi aprovada como critica literária em público depois de se graduar em Psicologia. “Os Azuis” também decidiram com o consentimento dela publicar a resenha de Jessica no belo programada peça. Fiquei muito orgulhosa. Mérito todo dela.
Assistir da plateia a peça toda pronta no segundo fim de semana de atuação foi mais uma novíssima experiência. Estava quase mais ansiosa que o grupo com as críticas. Duvidava do que eu mesma sentia: está bom demais; eles fizeram um grande trabalho; está lindo. Temos Rodrigo de Souza Leão no palco: força poética, som, movimento e alguma doçura.
Mas e daí? Sou psiquiatra, não entendo nada de teatro. Talvez seja um pouco poeta como todo o mundo e saiba só sentir. Mas aí veio a última frase, o encerramento do último ato e estávamos todos de pé batendo palmas e havia mágica no ar.
E como se não bastasse, veio a Bárbara Heliodora e disse tudo aquilo no Segundo Caderno de domingo, 24 de agosto de 2011.
Parabéns e obrigada, meu querido Ramones e demais Azuis.
"UMA FOGUEIRA NO HOSPÍCIO"
terça-feira, agosto 23, 2011
O IMPOSSÍVEL ACONTECE
O grande pensador grego nunca escreveu um livro.
A nona sinfonia é fruto de um homem surdo.
Na Biblioteca de Babel o leitor era um poeta cego.
O cientista que afirmou que "tudo é relativo" fez
uma afirmação absoluta.
E não tinha mãos o homem que fez
as mais belas esculturas do meu país.
quarta-feira, agosto 10, 2011
LIVRO À BOLONHESA

quarta-feira, agosto 03, 2011
segunda-feira, agosto 01, 2011
CULTURA E SAÚDE MENTAL
domingo, julho 24, 2011
SOFRIMENTO, LUCIDEZ E DENÚNCIA EM FORMA DE RECITAL
Sem ação dramática, textos de Rodrigo de Souza Leão transformados em espetáculo transbordam emoção
Bárbara Heliodora [Segundo Caderno, O Globo – 24/07/2011]
Na arena do Teatro Maria Clara Machado, no Planetário, cinco atores apresentam em forma teatralizada trechos escolhidos do romance de Rodrigo de Souza Leão ‘Todos os cachorros são azuis’; todo o texto é comovente, porém ao público não é apresentado um drama (no sentido de uma obra dramática), mas, antes um recital. Essa palavra soa muito antiquada, mas realmente, todas as qualidades humanas e literárias que o texto demonstra, nenhuma é “dramática”, isto é, não apresenta uma ação que inicie com uma situação e termine em outra, diferente ou modificada.
O espetáculo é feito com muito amor. Os trechos foram selecionados pela força que têm de sofrimento, lucidez e denúncia, e um considerável esforço foi feito para dinamizar o que é mostrado ao público. Não é exatamente dramaturgia aquilo que fizeram Flávio Pardal, Michel Bercovitch e Ramon Mello, os responsáveis pela seleção dos trechos a serem ditos, mas não há dúvida de que esses foram muito bem selecionados.
Respeito ao texto
A encenação é austera; cenário e figurinos não têm atribuição específica, que só fica em uma direção de arte de Rui Cortez. Cinco segmentos de grade representam a prisão que é o manicômio, e os cinco componentes do elenco usam todos calça, camiseta e camisa aberta, uma boa opção para que todos sejam na verdade a mesma pessoa. As grades poderiam ser menos movimentadas, pois movimentação não quer dizer ação. E a verdade é que o movimento às vezes atrapalha o ator, que já enfrenta o desafio de emprestar vida às reflexões de Souza Leão – mas isso é responsabilidade do diretor. A direção de Michel Bercovitch certamente trabalhou muito com os atores na busca do tom adequado para cada depoimento, e o carinho e respeito de todos para com o que dizem pesa muito na força com que o texto é transmitido ao público.
O elenco é composto por Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello. Os rapazes, principalmente Gabriel Pardal, estão um tanto melhores do que as três moças, mas de modo geral é um conjunto harmonioso, cuja dedicação faz muito por esse depoimento dramatizado e comovedor sobre a tragédia da vida de Rodrigo de Souza Leão.
TODOS OS CACHORROS SÃO AZUIS , de Rodrigo de Souza Leão. Direção de Michel Bercovitch. Com Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon Mello. Teatro Maria Clara Machado. Sábado às 21h. Domingo, 20h.