sábado, janeiro 29, 2011

Festival 'A palavra toda' reúne diversos artistas no Espaço Sesc

Luiz Felipe Reis - O Globo

Heloísa Buarque de Hollanda não esperou o sol esquentar para sair de casa. Às 8h, ela já estava na rua para uma reunião. Às 9h, seguiu para outra. E às 10h voltou para casa, para uma terceira. Mas esta última era diferente. Tratava de uma causa inédita. Afinal, nestas segunda e terça-feira, o Espaço Sesc, em Copacabana, serve de palco para "A palavra toda", o primeiro festival de poesia da cidade. Quem afirma é ela - acadêmica respeitada por sua contribuição à palavra - e o poeta Chacal, seu parceiro na empreitada ao lado do jovem poeta Ramon Mello. De pé, na sala de seu apartamento, no Leblon, Heloísa quase não se contém ao ter que esperar a chegada dos dois.

Ela suspira, a campainha toca, Chacal e Ramon chegam e a palavra ganha forma para explicar o evento. Chacal diz que o Rio estava com saudade dele mesmo, que a cidade não pode viver incompleta, e que a poesia tem esse papel unificador. Heloísa afirma que nunca se produziu e se veiculou tanta poesia como hoje, por diversas plataformas, e que um evento para celebrar a plavra era mais do que necessário. Enquanto Ramon ressalta a liberdade para transitar entre diferentes linguagens artísticas através da poesia. Juntando as ideias do trio, armam-se os pilares que sustentam "A palavra toda".

- É um momento parecido com a época da antologia ("26 poetas hoje", de 1976), aquela vontade de juntar todo mundo - recorda Chacal. - Mas a antologia era mais a praia marginal, fruto de um período meio seccionado, cheio de panelas, antagonismos... Hoje vivemos um período de convergência, fusões acontecendo entre a academia e o que seria a poesia marginal, além da periferia.

Heloísa joga luz na quebra de barreiras entre as mais variadas formas do fazer poético:
- A grande diferença hoje é a de circulação, a liberdade que temos para experimentar... Todo jovem poeta que eu conheço tem banda, trabalha com teatro, literatura... A poesia se espraiou, não é mais apenas a poesia em si.

E Ramon Melo concorda:

- Hoje você pode estar longe do centro, acessar o blog de um escritor, se comunicar com ele... Isso nos aproxima, desmitifica a posição do autor. Além disso, a facilidade que temos para publicar não se compara com o que acontecia no passado. Muitos poetas ganham seus primeiros leitores nos blogs. Antes tinham que manufaturar seus mimeógrafos, ir para a rua.

Nos dois dias, há atrações das 18h às 22h. Entre os destaques desta segunda-feira, "A palavra em cena", com Paulo José e Ana Kutner, às 18h30m; "Agora é hora", com Alice Sant'Anna, Mariano Marovatto e Gregorio Duvivier, entre outros, às 19h30m; "Noves fora tudo", com Viviane Mosé e Carlito Azevedo, entre outros, às 20h30m; "Às margens plácidas", com Antonio Cicero e outros, às 21h30m; e "A palavra cantada", com Letuce, às 22h. Na terça, prometem "Agora é hora", com Ramon Mello, Omar Salomão, Vitor Paiva e Ericson Pires, entre outros, às 19h30m; "Às margens plácidas", com Geraldinho Carneiro, Chacal, Pedro Lage, Salgado Maranhão e Armando Freitas Filho, às 21h30m; e "A palavra cantada", com Fausto Fawcett, às 22h.

Chacal frisa que o Rio sempre esteve próximo à palavra, viva, em constante transformação, seja através dos bailes funk, das rodas de samba ou das batalhas de improviso do rap. E é mesclando poesia teatro e música que eles chegaram à essência que rege o encontro.

- Fui convidada pelo Sesc para fazer um evento de poesia e não pensei duas vezes antes de chamar o Chacal - conta Heloísa. - Ele é uma peça fundamental. É o único que continua militando fielmente, e representa o começo da minha paixão pela poesia. A gente está ficando mais velho, então acho que é a hora de ficarmos juntos, botar para quebrar.

A intenção do trio é que o evento se torne anual, sempre no verão, que é quando a cidade vai para as ruas. Aos olhos dos três, é nesse cruzamento que a poesia tem de estar inserida.

- O Rio passou por um longo período de baixa autoestima - diz Chacal. - Então, essa união da cidade partida precisa ser celebrada. Nos anos 60 e 70, a poesia era ligada à cidade, aos movimentos políticos, ao carnaval, ao calor do verão... Depois a coisa migrou para a academia e para os guetos. Agora vejo que ela tem de retomar seu lugar, a cidade ficou carente de poesia e de pensamento. Temos que nos reunir através da poesia para pensar a cidade.

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