domingo, agosto 05, 2012

MISTURA BRASILEIRA EM LONDRES, O GLOBO


Os trabalhos e as histórias da ocupação de 30 artistas do Rio na capital inglesa

por André Miranda

Os artistas cariocas selecionados para a ocupação
foto: Ellie Kurtz

LONDRES - Há um mês, a maior preocupação dos responsáveis pelo Battersea Arts Centre (BAC), espaço cultural no sul de Londres, era como seria receber 30 brasileiros por uma temporada. Eles chegaram no início de julho para dormir, comer e criar no BAC, formando o maior grupo que já se hospedou no centro ao mesmo tempo. Hoje, após um período de música, vídeos, fotos, bananas penduradas e feijoada para cem pessoas — enfim, manifestações artísticas de todos os tipos —, a grande preocupação do povo do BAC é como será ficar, a partir do próximo domingo, sem os brasileiros.

O grupo de 30 artistas está na Inglaterra pelo Rio Occupation London, projeto criado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio como parte da programação oficial dos Jogos Olímpicos. Todos atuam em território fluminense e foram selecionados para trocar experiências e criar coletivamente. Há gente de vários campos das artes, assim como há campos para todas as gentes. A ocupação mostrou como as artes podem se integrar às pessoas, ao espaço, ao tempo.

O resultado, prova maior dessa integração, está na exposição montada nos galpões de uma antiga fábrica de biscoito de Londres, atualmente um centro de exposições e estúdios, o V22. A mostra foi aberta anteontem e fica em cartaz até amanhã.

— Quando estão num processo de pesquisa, os artistas precisam conviver com outras pessoas. É assim que vão alcançar uma elasticidade em seus trabalhos — afirma a artista visual Laura Lima, uma das participantes da ocupação.

— O que interessa para a gente é o que está entre as áreas. É um processo que coloca todo mundo em risco — acrescenta o músico Domenico Lancelloti, outro integrante da comitiva.

A turma chegou a Londres na primeira semana de julho. No BAC, eles se dividem em quartos individuais ou coletivos, a maioria com lembranças deixadas por artistas que já passaram por lá. Por exemplo: um dos quartos é um salão com seis cabanas, como casas de bonecas gigantes, dentro das quais ficam as camas. Em outro, a cama é suspensa por cordas e pode balançar enquanto o artista dorme.

As festas costumam acontecer numa das cozinhas do BAC. Assim, foi pelo estômago, literal e metaforicamente, que um dos frutos mais interessantes da ocupação foi gerado. Liderados por Pedro Miranda, Domenico, Eddu Grau, Felipe Rocha, Siri, João Brasil e Alessandra Maestrini formaram a big band Brazilian Kitchen (em português, Cozinha Brasileira). A novíssima banda fez três apresentações no BAC, uma para mais de cem pessoas. Só que o caldo não era apenas musical: enquanto tocavam, eles cozinhavam para a plateia. O cardápio foi de feijoada a xinxim de galinha.

— Numas das apresentações, vieram uns romenos. Todos tocaram com a gente. Agora vamos nos reunir mais uma vez na sexta, no V22 — conta Pedro Miranda.

A convivência no BAC não é somente entre os artistas fluminenses. Lá são encenadas peças de teatro, grupos de ingleses se reúnem para oficinas, e mães passeiam com seus filhos. No último domingo, foi realizado um casamento indiano num salão grande nos fundos. Na terça, houve um baile de idosos.

Nesse mesmo salão, Siri fez funcionar um órgão fabricado em 1900 e parado há décadas. Já numa das festas na cozinha, o poeta Ramon Mello juntou a turma para recitar versos de Sylvia Plath. Na escada que dá acesso ao segundo andar, foram pendurados painéis feitos em papel de arroz por João Sanchez. E na calçada em frente ao BAC, há sinais do trabalho de Breno Pineschi: bananas coloridas presas a postes.

— Aqui, pessoas que não se conheciam acabaram se descobrindo — conta Christiane Jatahy, que, ao lado de Gringo Cardia, responde pela direção artística da ocupação. — Nada acontece individualmente. No meu trabalho, por exemplo, todos participaram. Fizemos 14 apresentações em casas londrinas, para pessoas que haviam respondido um anúncio que publicamos. Houve desde um muçulmano que mora num barco até uma senhora de 92 anos. O Paulo Camacho filmou tudo e vamos transformar esse material num documentário. Todos os artistas que estão aqui fazem parte de um grande corpo. (Veja os vídeos no canal do artista no Youtube)
Ontem, esse corpo praticamente se mudou do BAC para o V22, a 30 minutos de distância, incluídos metrô e trem. A exposição dos brasileiros, com entrada gratuita, reúne instalações, performances, pinturas, filmes e tudo mais que a imaginação deles pôde criar. Eduardo Nunes transformou os quatro narradores do romance “De verdade”, do húngaro Sándor Márai, numa videoinstalação de quatro telas que alteram o ambiente de acordo com o personagem que esteja falando para o público.

Luciana Bezerra deixou uma pequena casa montada numa praça durante dias, onde recebia pessoas para conversar. Dessas conversas, fez cinco vídeos num formato de diário de viagem, exibidos na exposição. João Penoni, por sua vez, fez autorretratos animados, em que o corpo se funde ao espaço. Enquanto isso, Domenico criou vídeos sensoriais de três a quatro minutos para acompanhar a trilha sonora feita em parceria com o irlandês Sean O'Hagan, ex-integrante do Stereolab.

Já Anna Azevedo trouxe imagens de duas cerimônias em homenagem a Iemanjá, na Urca e na Praça XV, à noite e pela manhã. A videoinstalação, “Janaína”, é apresentada em duas telas que se encontram com ângulo de 130 graus, com trilha de Siri que, diz ela, dá “roupagem contemporânea a uma imagem tradicional”.

Além dos já citados, a Rio Occupation London teve a participação de Andrea Capella, Bernardo Stumpf, Bruno Vianna, Dina Salem Levy, Emanuel Aragão, Eric Fuly, Gustavo Ciríaco, Marcela Levi, Pedro Rivera, Ratão Diniz, Robson Rosa e Stella Rabello. Todos têm de 20 a 40 e tantos anos, e pretendem dar continuidade às parcerias surgidas em Londres quando o projeto se encerrar. A ideia é que no início de 2013 o Rio receba um grupo de artistas ingleses para uma ocupação na Lapa.

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