quinta-feira, julho 29, 2010

SOBRE ENSAIOS


retratos da literatura brasileira, fotografias de TOMÁS RANGEL


Chico Buarque, Luiz Ruffato, Armando Freitas Filho, Rodrigo de Souza Leão, Eucanaã Ferraz, Fábio Moon e Gabriel Bá, Heloísa Buarque de Hollanda, Lya Luft, Ferreira Gullar, João Gilberto Noll, Lourenço Mutarelli, Bernardo Carvalho, Milton Hatoum, Andre Dahmer e Zuenir Ventura.


Falar (ou calar) a imagem: as fotos de escritores de Tomás Rangel

Francisco Bosco

Na novela A vida privada, de Henry James, um famoso escritor, de obras brilhantes e cheias de vida, é entretanto uma pálida, monótona figura social. Uma noite, o narrador da novela entra em seu quarto, enquanto o escritor está ausente, a fim de pegar um manuscrito. O narrador toma um susto, pois flagra o suposto ausente em pleno ato de escrever. O susto, entretanto, torna-se ainda maior na manhã seguinte, quando descobre que, na verdade, o escritor não estava no quarto no momento em que ele o teria visto. A chave alegórica do mistério é clara: um escritor só está, verdadeiramente, enquanto escreve. Ocorre que esse momento é a vida privada no sentido mais estrito: indevassável, invisível, de que só se reconhece o reflexo pela obra produzida.

É em fidelidade rigorosa a essa lei que alguns escritores não permitem que se façam imagens de suas pessoas. O que neles interessa, o que tem poder de revelar, são suas obras. Daí que de Blanchot, um dos escritores que mais pensou sobre a questão “o que é a literatura?”, não se conheça nem uma imagem sequer. Afinal, o que se pode revelar quando se fotografa um escritor?

É essa a questão de fundo de toda fotografia de escritor, questão que paira sobre a presente série de imagens de Tomás Rangel. A fotografia, como qualquer outra linguagem, em geral deve produzir uma visão. Tome-se, aleatoriamente, entre todos os exemplos possíveis, uma foto de Mapplethorpe. Não há ali anterioridade. A imagem é engendrada a partir de sua textura, de sua composição, do contraste clássico (nítido) entre as matizes no interior do preto e branco. De modo simetricamente oposto, um fotógrafo que se disponha a fotografar um balé irá lidar com uma anterioridade, mas aí se trata de algo que é passível de se tornar visível: o movimento gracioso existe já no objeto, cabe ao fotógrafo captar o instante mais perfeito de cada uma de suas formas.

A fotografia de escritores não se encontra em nenhum desses casos, mas em algum ponto cego entre ambos. A imagem não aposta exclusivamente em seus recursos próprios de composição para produzir uma forma e um sentido, mas tampouco poderá flagrar a forma e o sentido dados por seu “objeto”. As imagens de Tomás Rangel ocupam tateantes esse entrelugar, oscilando entre um significante (texturas, luz, composição) que arrisca ser insuficiente e uma anterioridade que não é possível.

Ele, no entanto, se sai bem dessa equação delicada. Observe-se a foto de Armando Freitas Filho, onde um lustre irregular – gago, dir-se-ia – derrama uma luz que parece partir do escritor, deixando uma penumbra ao redor. O escritor e os livros são iluminados. Ao fundo, na capa de um livro do próprio Armando, lê-se “Lar”. O detalhe tem valor de comentário: o lar do escritor é a luz engendrada por ele e os livros que lê e escreve. Eis, portanto, uma foto legível, uma foto que fala.

Mas as melhores fotos de Tomás são, a meu ver, aquelas em que o impasse constitutivo da foto de escritores é como que tematizado. Se a imagem do escritor não fala por si só (é sua obra que fala por si só), então que se tente tornar visível esse silêncio mesmo. É essa vibração silenciosa e negativa que Tomás consegue captar na foto de Eucanaã Ferraz, por exemplo. Ou na de Bernardo Carvalho, onde, se não forço a nota, o preto e branco almeja o estatuto de expressivo silêncio.




Casa da Cultura de Paraty - FLIP 2010


De quarta à segunda das 11h às 19:30h.
Rua Dona Geralda, 177 Centro Histórico Paraty RJ
Cep: 23.970-000
Tel/Fax: (24) 3371-2325

Um comentário:

Anônimo disse...

gostei...principlamente do post com o Rodrigo Leão...estou as vésperas de ler TODOS OS CACHORROS SÃO AZUIS...abraços.